Rua Alegria

Ficaram gravadas em minha memória, profundamente, conto hoje com 79 anos, os dias em que meus pais e eu passávamos os domingos na casa de meus avós, situada na Rua Alegria, no Brás. Nós morávamos na Rua General Osório, no Bairro de Santa Efigênia e, para nos dirigirmos ao Brás, tomávamos um bonde na Rua Santa Efigênia e descíamos no largo de São Bento. Íamos a pé até a Praça da Sé, onde havia grande quantidade de pontos iniciais de ônibus e lá tomávamos o que se dirigia para a Mooca; descíamos no ponto situado na esquina da Rua Piratininga com a Alegria e, a pé, chegávamos à casa dos avós.<br><br>Lembro-me bem que, como as demais da rua, era térrea, mas imensa e com um enorme quintal. Havia uma estrada lateral e junto a ela uma porta que dava para o interior do porão, quase que habitável, pelo que me lembro. Meus primos e eu nunca tivemos coragem de entrar nesse porão, pois acreditávamos que iríamos nos encontrar com algo do outro mundo!!!<br><br>Bricávamos a manhã toda e nos emporcalhávamos, o que nos valia reprimendas de nossas mães, mas todo domingo era a mesma coisa. O almoço, feito por minhas tias, sistematicamente macarronada, deixou-me na lembrança o gosto de noz-moscada e de pimenta-do-reino. Refrigerantes? Claro que não. Não se podia dar a esse luxo. À noite, meu pai mandava buscar, num bar na esquina da Rua Piratininga, salame fatiado e algumas poucas garrafas, agora sim de refrigerante, guaraná ou soda.<br><br>Depois do lanche, cada adulto pegava sua cadeira e se dirigia para a rua, para juntamente com os vizinhos, conversar, conversar, conversar. Não havia novelas, não havia televisão e o rádio era incipiente. Nós, garotos, nos reuníamos à distância para contar piadas. Altas horas da noite (nove e meia ou dez horas!!), todos se recolhiam, porque no dia seguinte havia trabalho, pois a maioria era de operários. Na volta para casa, caminhávamos pela Rua Piratiniga até a Rua da Mooca para tomar um ônibus. A certa altura da Rua Piratininga, havia uma casa em que uma família de espanhóis fazia churros. Às vezes, quando os adultos tinham condições, comíamos; se não, ficava para a próxima semana. <br><br>Um primo meu, junto com seus pais, dirigiam-se a pé, cruzavam a Rua da Mooca, já que moravam logo adiante na Rua Ana Neri. Mas devo contar dois fatos que me marcaram bastante. Um dia, não me lembro qual, ao entrar na casa de meus avós, o ambiente era de tristeza e todos vestiam roupa preta. Sobre a mesa de jantar havia um caixão com alguém dentro. Não me lembro quem. Nesse dia não houve sanduíches nem refrigerantes, nem mesmo um pouco de alegria. <br><br>O Outro fato é que a Rua Alegria terminava na estrada de ferro e, exatamente no local de manobras, o nostálgico apito da maria-fumaça, pequena locomotiva responsável pelas manobras, nos enchia de algo que ficou, com certeza, na mente de todos nós. <br><br>A grande maioria dos personagens dessa história não mais existe. Segundo Rolando Boldrin, viajaram fora do combinado. Obrigado.<br><br>