Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero

Quarenta anos se passaram entre ontem e hoje. Há quatro décadas que não via este rosto, mas parece que foi ontem que tomamos nossa última xícara de chá juntos, na saudosa, elegante e glamourosa Barão de Itapetininga.

Ela me observava com carinho enquanto escolhia uma mesa no canto do restaurante, o seu predileto. Seus olhos estavam ligeiramente cansados, mas ainda de um azul intenso, onde me perdia nas nossas intermináveis noites.

Era também recém-chegada na cidade, como eu, que vinha do interior. Ela imigrara da Europa em busca da paz e do trabalho que já não mais encontrava em sua terra. Vindos de extremos, fomos nos encontrar na cidade-coração do país, cheios de desejos e esperanças, de vontade e temeridade. E São Paulo nos acolheu de braços e peito abertos.

Conhecemos-nos enquanto caminhávamos pelo Viaduto do Chá. E foi lá por onde andamos novamente após o jantar.

Paramos no mesmo local de nosso primeiro beijo, em frente ao Edifício Conde Prates. Lembrei-me da primeira vez que fitei profundamente seus olhos e me apaixonei.

Silencioso, ouvia seus passos. Mesmo depois de tanto tempo, nem que tentasse, confundiria os sons de seus passos com os de outros. Estavam marcados para sempre em meu coração.

Hoje, seu português perfeito nem de longe lembra o forte sotaque alemão que me pedia para traduzir as palavras de Neruda na apresentação no Pacaembú: "Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero" ("Poema No. 20" de Pablo Neruda). Lembro-me bem que sorria. Sorria muito.

Mas por que nos separamos? Por cenas sem motivo, ou por qualquer motivo. Nervos. O que hoje seria comumente chamado de "stress" foi a causa de nossa separação, em plena Avenida Paulista. Um adeus, sem maior explicação.

Hoje vejo o arrependimento em seus olhos, após tantos anos de escolhas, após anos daquela escolha. Mas agora quem dá as costas a seu olhar de esperança em um recomeço, a uma reconstrução de nossa história, sem remorsos ou dúvidas sou eu, voltando para aquela que acompanhou toda nossa história, mas que nunca, em nenhum momento, me abandonou: minha querida São Paulo, que me acolheu e me amou.

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