Tu, que já foste um adorável vilarejo<br>Singelo, tímido, desajeitado <br>Discreto e humilde<br>Apenas alguns índios e jesuítas <br>Uma aldeia miúda e acanhada<br>Cortada por rios e riachos<br><br>Pequenas chácaras, plantações diversas<br>Galinhas ciscando, escolas de taipa<br>Estavas nascendo, minha querida<br>Hoje estás formada, bem crescida<br>És majestosa, ímpar, maravilhosa<br>Cosmopolita, especial, inconfundível<br><br>Meio soteropolitana, potiguar, africana<br>Portuguesa, italiana, espanhola<br>Árabe, tailandesa, suíça<br>Francesa, mineira, baianíssima<br>Russa, alemã e nordestina<br><br>Mas quem te viu, menina franzina<br>De poucas ruas, pouco comércio<br>Poucas cores, silenciosa e modesta<br>Hoje se rende a tua vastidão sem fim<br>E te contempla boquiaberto, enfeitiçado<br>Coisa mais bonita, coisa mais pomposa<br><br>Quem te saboreou, quem te sorveu, quem te sentiu<br>Apaixonou-se por sua internacionalidade, teu molho secreto<br>Essa mistura de doce com salgado, de pimenta com saquê<br>De sushi, flor de abóbora, caldo de piranha<br>Esfiha, baião de dois e chucrutis<br><br>As pizza de mil recheios, todos deliciosos<br>Teus lanches impecáveis<br>Esse tal Bauru, farto, primoroso<br>Teus pastéis mágicos<br>Simplesmente inimitáveis<br><br>O cafezinho tradicionalíssimo, o refrescante caldo de cana<br>E é aí mesmo que todos se entregam ao teu tempero<br>Oriental, gaúcho, capixaba, americano<br>Um quê de angolano, uma pitada de irlandês<br>Um pouco de tudo, um pouco de todos<br><br>Tantas danças, tantos cantos, tantos sapateados<br>Bumba-meu-boi, serenata, sanfona<br>Caixinha de fósforo, orquestra sinfônica, cuíca<br>Balé de Kirov, maracatu, flauta doce e tango<br><br>Tempurá de jiló, vaca atolada, bananas carameladas<br>Feijoada vegetariana, arroz integral, moqueca de camarão<br><br>Cearense tomando banho de ofurô, caipira comendo com rashi<br>Carioca cantando fado, indiano pulando frevo<br>Norueguês dançando quadrilha<br>Chinês se especializando em bolo de tapioca<br>Pescador abraçado ao violoncelo<br>E pernambucano gingando ao som do taiko<br><br>Tu, que és senhora de respeito<br>De todos os credos<br>Todos os pratos<br>Todos os sabores<br>Todas a línguas<br>Todos os sonhos<br><br>Dama de beleza incomparável<br>Mestiça, grisalha, charmosa<br>Negra de quimono, japonesa que samba com louvor<br>Altiva, soberana<br>Imponente, culta e glamurosa<br><br>Segurando o cetro, ditando o cardápio e a moda<br>Grandiosa, magnífica, belíssima<br>Do alto de seus quase quinhentos anos<br>Cheio de luzes, de especiarias, de aromas<br><br>Tu, que muitas vezes deixo, cansada,<br>Buscando paz e tranqüilidade<br>E os dias passam sem tua presença<br>Daí chega uma inquietude estranha<br>Um desconforto, uma tristeza, uma solidão<br>Onde está o barulho de teus congestionamentos?<br>Onde está o burburinho de tuas ruas?<br>Onde, afinal, está o teu perfume de óleo diesel?<br>E o cheiro único dos teus rios castigados?<br><br>Mas o que é do formigueiro do Centro Velho?<br>Da loucura do teu trânsito?<br>Já desejo te rever a qualquer momento<br>Fico pensando somente em ti<br>Amuada, meio perdida, saudosa<br>Lembrando-me das chuvas abundantes<br>Onde te descabelavas e te inundavas<br>Onde te emporcalhava toda<br><br>Mas ao final das piores tempestades<br>Quando estavas revirada, agonizante, sofrida<br>Feia, mal-cheirosa e sem vida<br>De repente o céu te presenteava com maestria<br>Surgia um arco-íris inexplicável<br>Coloridíssimo, navegando em teu azul de cetim<br>Emoldurando-te cainhosamente<br>E te revelavas esplendorosa e encantadora<br><br>Ah, tu és realmente insubstituível<br>Eterna menina dos meus olhos<br>Meu bebê, meu cão amigo, minha rainha<br>São Paulo de todas as horas<br>São Paulo de todos os povos<br>São Paulo de Piratininga<br>Grande amor de minha vida<br><br>E-mail: [email protected]