Um dia na vida de um aposentado paulistano

Um dia na vida de um aposentado
Sem andar, vive sentado
E quando cansado,
Fica deitado,
Alimentado,
Paparicado
E, sem data ainda,
Perfeitamente mumificado.

Acordo entre 4h30min e 5h00min, faço uma pequena oração, sento no vaso na esperança de uma boa e saudável evacuada (saúdo a minha porque sofro de uma crônica constipação), escovo os dentes e o sol, numa tentativa improvisada, se alevanta, mostra seu esplendor, parece dizer não, a previsão que diz tempo fechado, a chuva esperada, demorada, não tarda.

Barbeio-me se for o dia (dia sim, dia não, água morna e sabão).

De bermuda e camiseta, se o calor se faz presente, se frio, agasalho.

Num repente, sequioso de notícias, o walkman na Jovem Pan, do esporte, da política, da arte, do teatro, do cinema, um quebra-galho.

Ando 45 a 60 minutos, na maciota, a artrose não impede a mente sã, porém, o físico, limitado na desenvoltura; com tomate, cebola e alho, absorvidos na primeira refeição, a base de boa alimentação, pela manhã.

No passeio, se tiver companhia, converso, se não, hora da Cultura; no programa "Desperte com os clássicos", do maestro Lorenzão, ouço clássicos, orquestrados ou não, agradam, sem ruptura com música "pop"; às vezes, com os modernistas de prontidão, melhor seria "Adormeça", com música que não há quem atura, programação bem dosada, de tudo se ouve, só fica o que é bom.

Nesse passeio acontecem estimulantes papos que ocorrem com pessoas que andam no mesmo passo e na mesma trilha, na pista pavimentada para este fim, com quinhentos metros, porém, se não conhece o parceiro, nova amizade, não sou uma ilha.

Encontro nestes passeios advogados, jornalistas, e os que, além do saudável passeio, precisam trocar as "pilhas".

Voltando pra casa, tomo banho, roupa leve, curtas, seleciono as cápsulas e comprimidos que vou tomar, pro meu café-almoço, pão dietético, frios e frutas; pra finalizar, um copo de suco e um café com sambuca.

No computador, confiro mensagens, faço comentários, preparo textos, respondo cartas, leio um pouco, perco no xadrez pra máquina, ganho dela na "paciência", surgem dezenas de propagandas, emissores sedentários, ávidos da resposta, de um ingênuo, idiota ou louco, pra empurrar vírus, ou vender uma nova ciência.

Almoço entre 12h30min e 13h30min, sesta de meia hora. Buscar Matheo e Paola na escola, TV pra um filme, jantar leve, a idade exige, sem gordura, com demora, novela ou futebol, torcer pro Palmeiras, meu time.

Para ser fiel à diária trivial de um aposentado de 76 anos, vale lembrar que sempre haverá uma variação inconstante de atividades típicas e atípicas, assim como a confirmação de que, apesar de não estar explicito, por razões de acanhamento ou por ter sido educado de forma a não exteriorizar de maneira chula, quero deixar bem claro que nós (eu e minha mulher) também temos nossos momentos de lirismo transcendentais, acompanhados de atividades sexuais com relativo sucesso.

e-mail do autor: [email protected]