Pirulitos

Sempre que alguém da nossa família ficava gripado, mamãe imediatamente preparava um xarope de guaco para aliviar nosso sofrimento. Em um determinado dia, minha irmãzinha ficou muito gripada e imediatamente mamãe correu para cozinha para começar a preparar o tal xarope. Adorava observar mamãe cozinhar, nem tanto para aprender e sim para dar umas "beliscadas" nas delícias que ela sempre fazia.

Mamãe mexia aquele caldo com uma paciência de Buda e eu, observando, pedi para ela fazer um pirulito com aquele caldo. Imediatamente fiz um canudinho de papel em formato de cone e pedi para ela encher com o melaço, coloquei um palito de madeira e passados alguns minutos o mesmo já estava pronto para ser chupado. Enquanto degustava o pirulito surgiu uma ideia sensacional: Pedi para mamãe fazer alguns pirulitos com o açúcar derretido, pois eu iria vender e arrecadar um "dinheirinho" para comprar mistura.

Mamãe sorriu candidamente e aceitou o convite, mas lembrou-me que eu tinha apenas nove anos e não poderia sair da frente de casa, pois havia algumas pessoas de má índole circulando pelo bairro onde morávamos e poderiam mexer comigo. De tanto insistir, mamãe concordou em fazer os pirulitos, mas enfatizou que deveria ficar próximo de casa.

Alegremente, dirigi-me a casa do Sr. Heitor, um senhor idoso que todos nós adorávamos e pedi para ele construir um tabuleiro para colocar os pirulitos. Sorriu amigavelmente, pegou uma tábua, uma furadeira e pôs-se a fazer os furos, após algum tempo o tabuleiro já estava pronto. Sr. Heitor colocou uma alça no tabuleiro e enroscou-o no meu pescoço, afagou minha cabeça e desejou-me muita boa sorte no meu novo empreendimento.

Mensurar a felicidade de um garoto de nove anos diante da possibilidade de tornar-se um novo milionário vendendo pirulitos era uma grande piada escondida na minha tola cabecinha. Coisa de criança!

Cheguei em casa eufórico e pedi para mamãe começar a fazer os pirulitos e ela disse que só faria os mesmos a noite e que eu iria vendê-los somente no dia seguinte. Um tanto frustrado, acatei mamãe e não via a hora de chegar o momento de preparar os pirulitos.

A grande panela foi colocada no fogo, em seguida o açúcar e eu xeretando ao redor, até que ela pediu para eu ir fazendo os canudinhos e colocando-os no tabuleiro. Após dispor todos os canudinhos no tabuleiro, mamãe colocou a calda, esperou um pouquinho e colocamos os palitos. Pronto os cinquenta pirulitos já estavam prontos, era só aguardar outro dia e sair para vendê-los.

Quando o Sol apareceu, coloquei o tabuleiro no pescoço e sai sem fazer nenhum barulho e fiquei em frente de casa oferecendo os pirulitos para os trabalhadores. Nem olhavam para minha cara, estavam apressados e 6h da manhã não era um horário apropriado para chupar pirulito.

Lá pelas 9h da manhã entrei em casa sem vender nenhum pirulito e pedi para mamãe se podia dar umas voltas pelo quarteirão e ela concordou, mas insistiu que deveria retornar logo. Batia palmas em algumas casas e oferecia os pirulitos, alguns compravam de dó da minha pessoa, outros balançavam a cabeça negativamente e nem me atendiam. De casa em casa consegui vender quase todos os pirulitos e voltei para casa antes do meio-dia com o espírito envolvido em um manto de vitória. Tinha conseguido!

Vendia os pirulitos de segunda-feira a sábado, às vezes sobrava alguns e eu e minhas irmãzinhas chupávamos. Com o lucro das vendas dos pirulitos ajudava mamãe comprar mistura, açúcar e sempre sobrava algum trocado para comprar a Caixinha da Sorte e alguns doces de abóbora que tanto amava. Passado algum tempo, mudei de atividade e fui ser engraxate. Engraxate da periferia de São Paulo.