O telefonema

Início do ano de 1974, precisamente fevereiro daquele ano, uma tragédia abalaria a todos nós paulistanos, e também todo o Brasil. Edifício Joelma, incêndio, tristezas, desespero, morte, angustia, realmente foi um ano assustador.

Mais minha história, fato realmente acontecido não tem muito de tristeza ou de agonia, mas sim de desespero, humor e de… Tirem vocês as conclusões.

A empresa era a H. Construtora, localizada no Ibirapuera, na Avenida Republica do Líbano. Endereço chique, tanto na época como agora, empresa de grande porte, com vários funcionários, engenheiros, vendedores, compradores, motoristas, cozinheiros, garçons, secretárias, recepcionistas… E agora chegamos aos personagens da historia, os “office boys”. Para os mais novos, que não conhecem esta profissão “Office Boy” era antigamente o que hoje conhecemos como “Moto Boy”, mas sem a moto.

A empresa, por seu porte, tinha vários boys e entre eles Carlos, Gilmar, Zé Rodela e Francisco. O chefe da expedição (seção dos “boys”) distribuía os serviços de acordo com os bairros pelos quais cada um ia passar, mas como era de praxe todos se encontravam no centro da cidade, na Ladeira da Memória para almoçar. Lá era realizado o trabalho e depois do almoço todos iam jogar fliperama (um jogo em um vídeo game que não dá para carregar).

Brincadeiras, palhaçadas, mas o serviço era sempre levado a serio. Até que repentinamente o “boy” mais velho, que liderava a todos teve uma ideia,
– “Vamos dar um susto na nossa recepcionista?”

Carlos: – “Alô”.
Recepção: – “Alô, Construtora H, boa tarde!”.
Carlos: – “Moça aqui é um doido que vai colocar fogo nesta empresa”.
Recepção: -“Alô, alô, alô quem fala…”.

Carlos desligou o telefone, foi a maior algazarra, ficamos imaginando como estava a cara e reação da recepcionista, muita gargalhada, muitas deduções, muito legal. Assim pensávamos que seria.

No final da tarde, antes de chegar avistei vários carros de policia, corpo de bombeiros, policia civil, seguranças e toda a empresa em polvorosa:
– “Ligaram aqui, um telefonema anônimo e disseram que vão colocar fogo na empresa, por isso chamamos a policia e os bombeiros. Estão fazendo uma investigação para saber o que aconteceu e ver se acham quem ligou”.

Minhas pernas amoleceram, avistei meus companheiros apreensivos e muito assustados. Perguntas e mais perguntas foram feitas, ficamos entretidos até final do expediente, mas nenhum de nós falava com os outros.

Até que se encerrou o expediente e fomos para casa. Como morávamos no mesmo bairro, menos o líder. Ficamos apreensivos e sem dormir durante semanas. Não tocamos no assunto mais e até hoje nunca mais conversamos.

Punições, consciência pesada, medo e angustia. Ficou disso uma lição: nunca mais brincaremos com coisas sérias (este foi o telefonema mais complicado de nossas vidas).

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