Nasci há 58 anos atrás, na Maternidade São Paulo (Rua Peixoto Gomide), e cresci, até meus 20 anos, na Rua Santo Antonio, 870.
Minha infância cercou-se de muitas aventuras piegas, coisas de crianças daquela época, mas a Rua Santo Antonio, para mim, foi a maior referência de juventude. Desde o seu início, na Praça das Bandeiras, onde havia um espelho d'água em forma de gravata borboleta (existirá fotos deste lugar), onde também havia uma curiosa construção denominada "Teatro de Alumínio”.
Iniciei meus estudos no Grupo Escolar Maria José (Djalma Dutra x 13 de Maio), seguindo para o Externato São Francisco (Largo de São Francisco – Faculdade de Direito). O meu transporte era o bonde nº. 5 (Bela Vista), que fazia um roteiro prazeroso pelas ruas Santo Antonio, Manoel Dutra, São Domingos, Conselheiro Ramalho, até a Brigadeiro Luiz Antonio e retornava.
Naqueles dias, eu e mais uma "renca" de meninos tínhamos como prazer aventureiro "chocar" os bondes que iam e vinham pelas ruas internas do bairro. Era perigoso, mas nós não tínhamos a noção do perigo que corríamos; o prazer da aventura falava mais alto.
Iniciei a minha vida profissional trabalhando na Mercearia Paris (hoje já extinta), que ficava na Santo Antonio em frente a Conselheiro Ramalho. Intercalava as minhas tarefas fazendo entregas de medicamentos em domicílio para o Álvaro da farmácia Osvaldo Cruz (na mesma Santo Antonio, esquina com a Conselheiro Ramalho).
Também foi lá, na farmácia do Álvaro, que aprendi a dirigir automóvel, pois aos sábados tinha a "obrigação moral" de lavar o fusca dele. Esse meu interesse automobilístico me abriu novos horizontes ao conhecer um dos mais expressivos nomes do antigomobilismo paulistano. Roberto Lee era colecionador de veículos antigos, como Og Pozzolli e outros. Teve um fim trágico ao ser assassinado por uma mulher, por questões passionais (sic). Mas foi com ele que aprendi muito a respeito dos automóveis antigos e colecionáveis.
Ainda na Santo Antonio, e já nas imediações da quadra do "Boca Jr", quarteirão de minha casa, fazia parte da turma do Ariosvaldo, Aristeu, Moacyr (o Doido), Nego Avoleta, seus irmãos Gilberto e Gilmar (que já não mais estão no nosso convívio), Nelsinho "Scholla", Roberto, Sidney; enfim, uma "pá" de moleques que construíam carrinhos artesanais de rolimãs e com quem saía para os "pegas" e "rachas", lá pras bandas das ruas Sílvia e Rocha, próximas da Praça 14 Bis.
Meus pais eram pessoas do tipo pacatas, e vivíamos cercados de uma vizinhança nada pacata (italianos), que não gritavam, mas sim berravam e xingavam muito. Mas era divertido.
Expressões da nossa cultura também fizeram parte de minha vida. Vicente Sesso, famoso dramaturgo e autor de novelas de sucesso exibidas pela Globo; o próprio Marcos Paulo, filho do Sesso, ator e hoje diretor de núcleo de telenovelas da Globo; Agostinho dos Santos; Wilson Miranda; Antonio Marcos, que andou de namorico com uma moradora do bairro; Roberto Carlos, que passava em seu LTD vermelho a caminho da casa de sua primeira esposa (Nice), na Rua 13 de Maio; Ronnie Von (a bordo de um belo Jaguar verde britânico); Juca Chaves e seus Corvettes; José Vasconcelos em seu belo Cadillac Brougham 64 – estes dois últimos, assim como Ronald Golias, apreciavam uma boa comida da Cantina Panela de Barro.
Outras celebridades também fizeram parte deste cenário, mas precisaria eu de muitas páginas para lembrar de todos.
Os dias se sucediam em semanas, semanas em meses e meses em anos, e tudo no Bixiga era festa e animação, principalmente quando o Corinthians e o Palmeiras jogavam no Pacaembu. Em época de Copa do Mundo, aguardávamos o final dos jogos para queimarmos nossas camisas em comemoração à vitória do Brasil (mas que gosto estranho!).
Dentre as muitas saudades que tenho, algumas ainda povoam a minha lembrança: a extinta TV Excelsior na Nestor Pestana; a feira-livre da Praça Roosevelt; a feirinha de terça-feira na Santo Antonio; do Tito; Seu Benjamim; Belém; Dona Mena e o Tenente; de meu pai e de minha mãe.
Adoniran Barbosa, que "viveu" o Bixiga como ninguém, deve ter se inspirado nas "malocas do Bixiga" ao compor um de seus grandes sucessos, até hoje cantado em muitas rodas de amigos (Saudosa Maloca).
É tempo que não volta mais. Saudades ficam dos velhos postes de ferro, com luz incandescente, ruas de paralelos, casas de platibandas, às vezes um ou outro sobrado, o "filão" da padaria, o sanduíche de "mortandela", o jogo do bicho e os carros de praça.
Saudades do Zé da "padiola", jornaleiro que entregava em domicílio e que eu ajudava em troca de uma "maria-mole"; do Pernambuco da banca de revistas; do "velho Juca", do Boca; do Buscchinni; da Hilda e do Carioca da maloca; do Benito do Bar; do "pé de cana" Jesus; do Valter "japonês" da tinturaria; do Seu Pizzanni; da Dona Concchetta, seus filhos e filhas.
Saudades ficam e lembranças voam. Hoje encontrei este site, e de onde estou, muito longe do meu Bixiga, quero poder voltar, um dia, e contemplar, de olhos fechados, a aura que este lugar tão mágico e envolvente exerce em nossas vidas.
Um beijo, Bixiga. Bem no coração de sua cidadania.
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