La Fontana di Trevi Paulistana

Chafarizes, espelhos d'água e pequenos lagos artificiais, a capital paulistana os tem e em considerável número. A Praça da Sé tem um enorme que, em dias de muito calor, a molecada aproveita para se refrescar. Coisa nova e muito bonita que hoje emoldura aquela área, em nome da modernidade e ao progresso, com a estação do Metrô.

Ibirapuera, Praça da República, Aclimação, Ipiranga, são alguns dos muitos locais onde a natureza ou a mão humana trabalhou essas fontes de refresco e de beleza das paisagens.

Quando garoto, com meus doze anos, gostava de ir ao Jardim Trianon, na Avenida Paulista, em frente ao MASP, e lá divertia-me nos brinquedos do parquinho (que ainda existe). Balançava-me, escorregava e, com algum amiguinho do momento, nos divertíamos nas gangorras.

Os momentos de folguedos se somavam também na exploração àquele espaço de mata florestal onde, em nosso imaginário lúdico, nos transformávamos em exploradores daquela "densa floresta".

Depois de cansados de tanta algazarra, nos dirigíamos para nossas casas (cada um para sua). Eu tomava o caminho de volta que, invariavelmente, era optado pelo túnel da Nove de Julho, com destino ao Bixiga.

Ao sair na outra "boca", deparava-me sempre com os dois velhos e belos chafarizes em sua entrada (no sentido cidade/bairro), um em cada artéria. Um em frente ao outro.

Detinha-me por longos momentos como a contemplar quão maravilhas eram aquelas obras, a ponto de subir até o "belvedere" do túnel (ali, onde muitos namorados se encontravam) e poder admirar, do alto, a grandiosidade de sua construção.

Era sempre assim até que, num dia de muito calor e o "capetinha" me futucando o juízo, e a vontade de me refrescar, me impulsionaram para dentro do chafariz.

O ímpeto foi mais forte do que qualquer temor. Poderia haver por ali um guarda municipal ou zelador, ou simplesmente um vigia. Qual nada. Ninguém apareceu para me proibir e, assim, continuei em minha solitária diversão.

Solitários também eram os chafarizes. Pareciam-me esquecidos, pois se mantinham sempre estáticos, mudos e inertes. Não havia neles o jorro das águas. Somente a parte inundada de água limosa com alguns pequenos peixinhos completavam o trabalho do escultor, para mim, ilustre desconhecido (não sei até hoje).

Cresci. Tornei-me rapaz e depois, homem sério, casado, deixei a paulicéia com destino à mágica Bahia (onde estou até hoje), trazendo comigo, e na bagagem de minhas lembranças, a imagem gravada na memória dos chafarizes do túnel da Nove de Julho.

Já aqui na Bahia, muitos turistas estrangeiros vêm para seus passeios e, em uma oportunidade, escutei de um deles, italiano, o orgulho que tem por um determinado chafariz romano, denominado "La Fontana di Trevi".

– "Sí, claro. La conosco molto bene…", foi a minha resposta. – "Sono qui noi habiamo una molto belíssima, anchi. Una, no. Due!".

Foi uma pena não ter no momento uma foto sequer dos chafarizes e poder mostrar aos "carcamanos" que eles podiam ficar com a tal da fontana deles, que nós por aqui estávamos bem servidos com "as nossas", sendo que a única diferença era a de que ninguém jogava dinheiro dentro delas, como fazem os romanos.

Realmente. A Fontana di Trevi é um dos mais belos trabalhos artísticos em escultura (só não disse isso aos italianos), e eu já tinha um bom conhecimento dela pelos filmes antigos (e de ótima película) que assistia pela televisão. "A Princesa e o Plebeu" foi rodado em Roma e um dos belos cenários encenados foi justamente a Fontana di Trevi.

Boa parte de nosso povo tem sim, memória. A despeito do que muito se fala sobre os nossos valores artísticos e culturais. São Paulo, não é só o edifício Altino Arantes (ex-Banespa), nem Estação da Luz, nem o MASP ou os prédios da Avenida Paulista. Também, não é só Ibirapuera, Museu do Ipiranga, edifício Itália, São João x Ipiranga, Praça da Sé e o Metrô. São Paulo também é os seus monumentos, espalhados pelas praças e avenidas, seu casario histórico e suas ruas memoráveis. São os seus filhos e filhas, presentes e ausentes, ciosos e saudosos que se ufanam em seu orgulho, apesar das muitas adversidades que enfrentam em seu dia a dia.

São Paulo é a Broadway, o Times Square, a Trafalgar Square, o Ginza, a Beverly Hills com toda a pujança de sua modernidade de seus 455 anos e, como toda metrópole longevola, não esconde a sua parte histórica de sucesso, crescimento e desenvolvimento.

Portanto, se Roma tem o Coliseu, nós temos o Pacaembu. Se tem a Via Apia, nos temos a Avenida Sapopemba, se tem as tavernas, nós temos as cantinas. E se tem a Fontana de Trevi, nós temos os "Chafarizes da Nove de Julho".

P.S.: Você que leu esta narrativa e está mais próximo do que eu dos poderes municipais, peço, rogo, suplico. Não permita o vilipêndio de nossos valores culturais e artísticos, com a especial atenção dos chafarizes do túnel da Nove de Julho. Apesar do isolamento involuntário e da desatenção de alguns de nossos conterrâneos, eles conferem uma clássica beleza ao local e são pacientes testemunhas de muitas histórias.

Obrigado.

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