Duas vezes oriental

Meu primeiro emprego, aos 15 anos, foi num escritório na Rua 25 de Março. Na época, aquela região era um reduto do comércio têxtil, encabeçado por empresários sírio-libaneses. Havia, pois, uma atmosfera árabe em quase tudo ali. A firma que me contratou como office-boy não era exceção. Em meus serviços externos eu procurava conciliar trabalho e passeio, sem detrimento do primeiro. Meus primeiros contatos com algumas coisas do mundo árabe foram fruto das minhas andanças pelas ruas da região. Esfiha aberta e quibe cru eu comi pela primeira vez na Brasserie Victoria. Música e objetos árabes eu ouvi e vi numa pequena loja na antiga Rua Santo André, e no Empório Syrio, que existe até hoje, eu comprava algumas guloseimas das mil e uma noites. Nas portas das lojas, nas calçadas ou em algum bar ouvia-se quase tanto o árabe quanto o português. Os nomes de algumas ruas contribuíam com esse ambiente: Rua Cavalheiro Basílio Jafet, Rua Comendador Assad Abdalla, entre outras. Numa época em que nem se sonhava com computadores pessoais e muito menos com internet, eu viajava através dos sons, aromas, sabores e cores que me chegavam aos sentidos. Somando-se a tudo isso, minha imaginação era o meu tapete mágico.
Adulto, fui para o interior de São Paulo, onde vivi 20 anos aproximadamente, e, durante esse período, poucas vezes vim à capital, da qual eu estava distante 600 quilômetros.
Aos poucos, algumas regiões da grande metrópole ganharam fama no interior, por causa do seu comércio próspero, competitivo e variado. A 25 de Março era, obviamente, uma dessas regiões. Logo começaram a partir excursões de todos os cantos do estado, com destino a São Paulo, para onde retornei no início de 2005. Fui então rever o pedacinho árabe, encravado no centro.
Que surpresa! Não posso negar que me entristeci a princípio, ao constatar que a 25 de Março e as ruas adjacentes haviam mudado de feição. Que sensação estranha: era como se todos aqueles momentos que eu vivi ali, na minha adolescência, tivessem sido apenas fruto da minha imaginação! Caminhando lentamente reencontrei, em meio ao efervescente comércio informal que se instalara, alguns pontos de outrora. E, para minha alegria, não eram tão poucos. Contudo, o árabe já não era tão ouvido como antes. Aqui e ali e principalmente nas galerias, ouvia-se o chinês, e os seus falantes eram a maioria dos proprietários das lojas dos mais diversos ramos. Eletrônicos, roupas, calçados, perfumes e até comida.
Como que com um sopro, a tênue sombra nostálgica que se aproximara de mim deu lugar a uma alegria que chegou paulatinamente, mas para ficar, quando percebi que, na renovação inevitável das coisas, dos lugares e dos costumes, a região da 25 de Março havia se tornado oriental pela segunda vez. Salim e Chan, agora, trabalhando lado a lado, cada qual com suas singularidades, numa cidade que dá oportunidade a todos. Essa é São Paulo. Essa é a minha cidade.

"Na vida só existem dois valores absolutos: o amor e o trabalho" (Cora Coralina)

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