CBF

Tem o céu como teto. Hotel das estrelas, ele diz. Vagueia sozinho com suas fortunas recolhidas das ruas. Tem a cabeça quase sempre coberta por um boné reciclado. A barba por fazer. É arisco e desconfiado. "Gato no pulo, cão raivoso no ataque". Come pouco ou quase nada. Marquise é casa. Não mendiga. Afoga o medo e a fome na cachaça.

Guardião dos córregos poluídos de esgoto. Se tem "dez conto", bebe tudinho. Sem dentes, os olhos lacrimejantes. A cara queimada pelo frio, sol e chuva. Não tira o boné nem a calça de sempre. Tem um carrinho de madeira abarrotado de tudo que encontra por aí.

Tá cansado das pessoas, das esguichadas d'água fria e dos palpites que lhe dão. Melhor andar sozinho. Ganha comida, às vezes. Senta e abre. Um cachorro aparece. Se reconhecem. Ambos surrados, pele e osso e muita sujeira. Dividem a comida e seguem juntos. Dividindo as sortes e os azares de sempre. Risadinha é o nome do cachorro. Dentes arreganhados ao menor pressentimento de que possam se aproximar pra aporrinhar. Ele e o amigo unha e carne, carne e unha.

Numa noite ruim, um carro funerário atropela CBF. É como é conhecido, esse morador de rua. "Venda casada", falou o delegado, na ocorrência.

No hospital, o doutor pergunta: "O senhor bebe?". “Bebo sim e não minto, ele respondeu”. "Desse jeito o senhor vai morrer aos poucos". “Então tá certo”, ele disse. “Não tenho pressa mesmo…”.

Tempos depois está de volta às ruas. Procura que procura pelo cachorro. Anda que anda e pergunta que pergunta. Atropelado, sugerem alguns. Continua chamando: "Risadinha, Risadinha!".

Ninguém no mundo está tão sozinho como esse velho de setenta anos, rouco de tanto gritar pelas ruas do bairro de Veleiros.

Obs.: Quando mais jovem, ele puxava uma carroça cujo nome era CBF. Daí que o apelido ficou…

e-mail do autor: [email protected]