Casado e desempregado

Em 1969 quando casei estava desempregado. Era sindicalista e queriam me ver fora da firma, e sabendo que ia casar resolveram me propor um acordo vantajoso que aceitei. Então estando desempregado fui trabalhar de vendedor, meu sonho despertado já muito tarde. Vendia cereais. Depois temperos Italiotas (Rua Labatut) no Ipiranga, mais tarde tintas, e outras coisas. Numa dessas andanças um amigo me disse que o Mappin estava contratando pessoas para trabalhar a noite. Era recente a lei de poder funcionar as lojas até às 22 horas. Até então as lojas funcionavam ate às 18h30min. Fui até lá e o gerente me deu uma prova de matemática, com contas de difícil execução. Contas de mais, vezes, diminuir e dividir.
A mais difícil era a de dividir. Sete números fora da chave e três dentro.
Os que estavam fora da chave eram pesados e dentro lembro direito que era 372. Comecei puxando quatro números, porque o primeiro numero era o 2, portanto os três primeiros inferior aos de dentro da chave. Fui até o fim, mesmo que tivesse que contar nos dedos, para a colocação de algarismos. Depois de conferir em segundos na máquina calculadora com alavanca manual, o gerente mandou que começasse naquele mesmo dia. Era um saco. Tinha que ir de paletó e gravata, não podia fumar. Para tal tinha que ir ao banheiro. Num espaço que cabiam umas 10 pessoas não se via o rosto de ninguém, porque a fumaça era a dona do pedaço.
Era um lugar cheio de frescura para trabalhar. E como tinha puxa saco para te vigiar.
Não podia entrar para trabalhar entrando pela loja. Tinha que entrar pelo lado da Rua Conselheiro Crispiniano. Eu não sabia. E como estava engravatado o vigia logo veio em cima de mim:
– Você é funcionário?
– Sim sou, por quê?
– Porque não pode entrar pela loja.
Pegando-me pelo braço já ia me levar à gerência. Então lhe disse que era novo no trabalho e desconhecia tal norma. Aí, então ele me liberou.
Mais tarde voltei a entrar pela loja. Veio outro vigia me abordar: “Você é funcionário?”.
Olhei para ele com cara de bobo, como quem não sabia, e disse que era apenas cliente. O vigia ficou sem jeito e me pediu desculpa. Comecei a ver algumas coisas e assim que vi ele de costas, sai na Conselheiro e entrei naquela porta estreita que levava ao andar de cima. Onde se marcava cartão. Pensava que ia ser vendedor. Queria vender malas. Já tinha estado naquela seção. O cara devia ganhar os tubos. Como se compravam malas de viagem. Mas me puseram para trabalhar na seção de confeccionar carnês. Depois de dois dias, acho que viram que eu era um pouco lerdo para fazer um carnê, então me mandaram para o arquivo.
Era um arquivo de ferro com 25 gavetas. Cada uma com uma letra, de A à Z. Era o inicio dos nomes das pessoas.
As fichas de tanto serem manuseadas estavam rasuradas e as letras todas escritas com canetas bic, já estavam desaparecendo.
Quando o nome tinha uma tarja azul era porque o cliente era bom. Já com a tarja vermelha tratava-se de um Caloteiro. Eu começava a trabalhar as seis e meia da tarde, hora que as moças estavam saindo. Mas era obrigado a chegar à loja às seis horas. Então ficava meia hora, sentado esperando se escoar o horário delas. Estava recém casado, e sendo assim, era alvo de piadas por parte delas. Casadinho fresco, pescoço esfolado, e, outras, gracinhas que tinha que ouvir.
Tremendo “malandro”, recém saído das noites frias ou quentes da Paulicéia desvairada, ficava sempre atrás do toco. Malandro que é malandro, só abre o bico na hora certa.
Um dia a baixinha (tinha que ser) e muito bonitinha, cismou de me pagar pra cristo naquela meia hora de coçar o saco. Fazia perguntas das mais pesadas, em termos de sexo. As respostas eram do mesmo jeito que as perguntas eram feitas. Ou seja: Perguntas ousadas. Respostas idem. Quando a moça estava se perdendo no papo sua, chefe disse: “Menina para de ser otária. O cara ta deitando e rolando pra cima de você”.
A partir dai passei a ser mais respeitado.
Lá no arquivo fazia aquilo que mais gostava. Já estava craque, era um tal de abrir e fechar gavetas. Já estava abrindo gaveta certa até de olhos fechados.
Eis que um dia aparece na loja, Cabeleira e Zé fuinha, meus amigos da ronda das calçadas da Galeria Olido. Quem ia mesmo comprar era o Fuinha. Precisava de um terno para ir num casamento. Já tinha escolhido aquele tropical inglês bege, xadrezado.
Fui pegar sua ficha e lá estava uma tremenda tarja vermelha. Com a cartolina na mão e morrendo de rir. Cabeleira já estava sentando no chão rindo pra chuchu.
“Quinta-Feira (meu apelido) Não vai me dizer que o bicho é caloteiro?”.
“Caloteiríssimo Cabeleira, só tem risco vermelho na ficha do cara”. O pior de tudo, é que não era só nos três que dávamos risada. Toda a fila ria muito.
Outra chatice, um dia o gerente chamou minha atenção na frente de todo mundo:
”Lopomo aperta essa gravata. Não quero te ver mais com a gravata afrouxada!”.
O chefe da seção era o Teixeira, um gordo muito legal. Falava baixo, principalmente quando ia chamar a atenção da gente.
Um dia chegou um freguês raivoso. Acho que deu zebra em alguma compra. O cara chegou a mim e disse: “Quem é o gerente dessa merda?”.
Para que ele não fosse no cara errado, fui com ele até perto do gerente. É aquele cara ali.
Foi uma tremenda encrenca. Eu vibrava. Era aquele que me mandou fazer as contas e apertar a gravata. Estava vingado.
Não demorou muito. Ele chamou o Teixeira e disse bastante bravo: “Fala pra aquele idiota não me mandar mais ninguém aqui na minha mesa”. Teixeira com uma tremenda educação foi dizendo:
_ Porra Lopomo, não pode fazer isso. Nunca se manda um cliente na mesa do gerente.
_ Fica frio Teixeira. Tava devendo essa pra ele.

Como eu trabalhava já no meu ramo novamente durante o dia, recém-casado, ficava muito cansado. Já chegava dormindo ao Anhangabaú. Então decidi sair.

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