O Parque da Aclimação foi a minha praia durante meus primeiros anos de vida. Morando na Rua Pires da Mota, dali ao parque se ia e se voltava a pé.
Filho temporão, eu era levado diariamente pelas minhas irmãs, quatorze e doze anos mais velhas que eu. Quando a mais velha se casou, a incumbência passou para a mais nova. E, curiosamente, ambas conheceram no parque aqueles que viriam a ser seus futuros maridos.
Além de irmãozinho mais novo, eu, mesmo sem as asinhas e arco e flechas, servi de cupido. Meus futuros cunhados moravam ao lado do parque. O que se casou com a mais velha era nascido no interior e morava há muito tempo com os pais e as irmãs na última casa da Rua Aporá, grudada ao parque. Levava o seu pastor alemão King para passear diariamente e ali conheceu a bela caipirinha de olhos verdes.
Sendo um dos poucos que já possuía máquina fotográfica, foi ele um dos primeiros a registrar minhas imagens. O outro cunhado, nascido e criado no bairro, morava na Rua Muniz de Sousa. Esse jogava no time de futebol do bairro e deve ter visto a sua caipirinha, igualmente de olhos verdes, na arquibancada. Eram personalidades bem distintas.
Mas essa história tem a ver mais com o segundo. Ele levava uma vida normal como a de outros moleques. De família apenas remediada, não tinha como freqüentar um clube. O futebol ele jogava no parque, mas no calor faltava um lugar para se refrescar. Nadar no lago do parque era proibido e ele nem fazia questão. Ali, no tempo em que se alugavam barcos, aconteceram alguns afogamentos. Eu mesmo presenciei uma vez os bombeiros mergulhando à procura de um desaparecido. Talvez por isso ele não se atrevesse a entrar no lago. Além disso, era muito impressionado com ambientes hospitalares e velórios em geral. Ele se arrepiava só de imaginar em nadar na mesma água onde já esteve um morto.
Certa vez, ele e os amigos descobriram um lugar onde poderiam se refrescar. Era um casarão na Rua Tabatingüera, cercado de muros muito altos e um jardim com uma pequena piscina de azulejos, tendo à sua volta compridas mesas de mármore. Um lugar perfeito para um relax ou um piquenique em família. O vigia do lugar os deixava entrar mediante certa quantia, mas avisava que era só nos finais de semana. Mas, afinal, quem era o dono daquele bucólico lugar? Perguntavam ao vigia, mas ele desconversava ou dava a desculpa que os donos viajavam nos finais de semana. Se tivesse contado a verdade, certamente perderia aquele dinheirinho extra que pingava no seu bolso todos os finais de semana.
E a verdade veio pela boca de outra pessoa, que revelou que aquele local era de propriedade do Serviço Funerário Municipal. Era ali que os defuntos eram lavados antes de seguirem para o velório.
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