É madrugada e o despertador toca. Mais um dia. Está frio, é inverno. A água da torneira congela minhas mãos, mas é necessário acordar para o dia. Coloco a roupa e, sobre ela, um casaco pesado; acendo um cigarro e vou ao encontro dela.
O cigarro, chegando ao fim, queima as pontas de meu bigode. Tirar as mãos do bolso naquele frio exigiria muita coragem. Mas vou ao encontro dela. Cuspo o toco de cigarro e limpo os lábios na gola do casacão.
Desço o morro em passos longos, com pressa e com medo, pois ainda está escuro, quase ninguém na rua, um ou outro retornando do trabalho noturno. Aperto o passo na ansiedade de chegar junto dela e lá me aquecer, quem sabe encontrar um destino, um futuro, ao menos o conforto de não estar sozinho.
Agora, já posso enxergar ao longe sua silhueta, de dama nobre, traços finos, porém marcantes, imponente, porém frágil. Ela é linda, vale a pena.
Chego ao encontro e ela me acolhe em seus braços. Respiro fundo, aliviado e, ao mesmo tempo, tomado pela ansiedade em saber até onde ela vai me levar, o que encontrarei a partir deste encontro. Será que retornarei a ela, será que ela estará ali me esperando?
Já é fim de dia. Sufocado, cansado, mas, esperançoso, retorno e espero reencontrá-la. Novamente ela está lá, agora brilhante, paciente e acolhedora. Suspiro fundo e a toco com carinho; é a sensação de um filho que retorna ao lar.
Que mulher é essa que desperta em mim todas essas emoções, de amante a mãe, de porta para o futuro e de acolhida no retorno.
Dama de traços finos da monarquia inglesa, singela e bela.
Eu nunca vou te esquecer, Estação de Itaquera.
Tomei o trem na estação de Itaquera, que me conduziu ao mundo.
(A estação foi construída, originalmente, em 1875, e foi ao chão para dar passagem à Radial Leste, em 2004, mesmo contrariando a vontade dos moradores do bairro.)
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