A narração abaixo, com certeza, se enquadra na vivência efervescente de centenas de moradores do Itaim Bibi/SP, quando dos movimentos culturais, sociais, estudantis e políticos, principalmente entre os anos de 1950 até a década de 70.
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Os dois primeiros anos do então curso primário fiz na Escola Aristides de Castro, (1953-1954), atualmente Escola Estadual Aristides de Castro, já na Rua do Porto, (originalmente, Rua dos Aliados), atual Leopoldo Couto de Magalhães Jr.
O zelador (Sr. Fonseca) e também responsável pela disciplina dos alunos era um mulato, caboclo baixo e muito querido, apesar de rígido. Morava com a família (Dona Ana) no mesmo terreno. Quando de qualquer traquinagem, lá vinha ele, segurava o aluno pelo braço e falava: “Já para diretoria!”. Dizem da existência de um “canto escuro”, onde vozes aterrorizadoras eram ouvidas pelos indisciplinados alunos. Sei lá…
O antigo prédio dessa escola, chamada de Grupo Escolar do Itahim, ainda na Rua Joaquim Floriano com a Rua Urussuí, foi inaugurado em 1925. Não cheguei a freqüentá-lo, mas o meu irmão mais velho, o Antônio Sérgio, esteve algum tempo por lá.
Graças à bolsa de estudo, tive o privilégio de freqüentar algumas escolas particulares religiosas, (Santo Alberto e Meninópolis). Cursei os anos finais do primário, turma da tarde, no excelente, porém extinto, Colégio Santo Alberto, (até 1956), enquanto a minha mãe, Dona Benedita, costurava as batinas dos padres carmelitas e, na minha caderneta de freqüência e notas, se carimbava com tinta vermelha a palavra “aluno gratuito”.
Após o exame de admissão, no então ginasial do Santo Alberto, fui um orgulhoso e aliviado bolsista pela Colméia, o que me tirou do anterior constrangimento infantil. Isso mesmo, pela Colméia, como se dizia na época, e acredito ser ainda na gestão da Dona Marina Cintra. Tal instituição recolhia proventos financeiros e promovia requisitadíssimos e respeitados exames anuais para distribuição das bolsas de estudo.
Além disso, a instituição oferecia apoio cultural e esportivo aos estudantes. Sua sede ficava numa travessa da Avenida Paulista, lá pelos lados da Bela Vista. Eu estudava pela manhã. No ginasial, em algumas tardes, ia para a Colméia, aonde podia ler, aprendia jogar dama e xadrez, batia uma bola (futebol e basquete), além de ensaiar no coral. Só muito tempo depois, após o meu período de criança e juventude, é que a Colméia se instalou no final da Avenida Nove de Julho (Rua Marina Cintra, 97), ao lado de um dos “Prédios dos Bancários”, aqui no Itaim Bibi.
Permaneci no Colégio Santo Alberto dos Padres Carmelitas, até 1959, ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, sede da Congregação dos Padres Carmelitas/Bairro da Liberdade/SP. O prédio com um imponente teatro, alguns anos depois, foi alugado para um curso preparatório para vestibulares em faculdades, o Equipe Vestibulares, ficando o local bem famoso (mais pelas promocionais apresentações artísticas, já na metade dos anos de regime militar).
Prossegui o curso ginasial no Colégio Meninópolis, no bairro do Brooklin/SP (até 1963), também como “bolsista”, sob a apresentação do Prof. Paulo Cruz, mestre de matemática, ótimo orador, paroquiano da Igreja de Santa Teresa e morador na Rua Joaquim Floriano, em um prédio de três andares, cujo térreo existiu a extinta Drogasil. Atualmente, nesse local há uma agência do Banco Itaú.
No Colégio Meninópolis, com o padre Carlos na direção e o padre Teodoro responsável pela disciplina, só estudavam os meninos. As meninas freqüentavam outro colégio, na esquina seguinte, no Convento das Freiras. Todos os dias, na saída das aulas, íamos rapidamente até a “esquina das meninas” e, encostados num murinho em frente, ficávamos vendo as alunas saírem da escola. Sempre sobrava um olhar, uma paquera. Acho que os padres e as freiras aprovavam, pois o horário de saída das meninas era sempre minutos após o dos meninos.
Anos dourados, princípio da década de 60. Éramos felizes, ouvíamos a Bossa Nova, os Beatles e o início da Jovem Guarda. Tínhamos idéias contestadoras.
Sempre procurando muito mais o que fazer, ou seja, além de tocar bumbão e corneta na “Fanfarra do Meninópolis” e jogar no time do handebol, fui “lambeiro” (aquele que colava os selos de impostos nos tíquetes de entrada), do Cine Meninópolis, anexo ao colégio da mantenedora Pontifício Instituto das Missões, pertencente aos padres italianos da Igreja do Coração de Jesus.
Também integrei um grupo de teatro estudantil (esquetes), cujo privilégio melhor era poder entrar na escola das meninas, para ensaiar e se apresentar no teatro do “convento das freiras”.
Participei ativamente da JEC – Juventude Estudantil Católica, fato que me rendeu, anos após (1969), já na faculdade, ser chamado “passivamente” à secretaria da instituição, para conversar sei lá com quem e, entre outras coisas, questionado: “O que você está fazendo aqui?”. Respondi: “Estudando biologia”.
Na época do Colégio Santo Alberto, lembro-me da posse do presidente Jânio da Silva Quadros, “varre, varre vassourinha…”, em Brasília (15/03/61), conduzida pelo antecessor Juscelino Kubitschek, “o Presidente Bossa Nova”.
Jânio foi o mais carismático líder popular brasileiro depois da década de 50, com ampla penetração nas camadas populares. O “janismo” se alimentou no arsenal de truques de seu líder, que incluía “caspa sobre o paletó”, “sanduíches de mortadela” mastigados durante as visitas públicas, alternadas por “desmaios de fome”. Com textos acadêmicos e, ao mesmo tempo, atitudes populares, entremeados com efusivos discursos pregando austeridade e contra a corrupção, sua figura se traduzia no símbolo da “vassoura”, além, é claro, do “bebo por ser líquido; se sólido fosse, comer-lo-ia”.
Terríveis e escuros tempos. Seis meses depois de galgar o alto e importante cargo brasileiro, tem-se a “renúncia do Jânio”, na manhã de 25/08/61, atitude tomada após o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, na noite anterior, declarar, na televisão, que um golpe de Estado estava sendo preparado para instituir no Brasil uma “ditadura janista”. Trauma nacional só comparável ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954.
Seguiu-se um curtíssimo, mas pesado e confuso, intervalo político-militar, de 25/08/61 até 07/09/61, terminando com a posse à presidência do legalmente eleito vice-presidente, o “Jango”, (João Belchior Marques Goulart). Arrastou-se um conturbado governo, por dois anos e meio, (07/09/61 – 31/03/64), mesclado com o regime “Parlamentarista” sob a imposição dos ministros militares, estes derrotados nas urnas por um “Plebiscito Popular”, em 1962, com margem de 80% do eleitorado, retornando-se assim ao “Presidencialismo”, em 06/01/63.
Inúmeras articulações, denúncias, renúncias no ministério, tentativas de conciliações e um grande comício de 13/03/64, em frente à Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro (onde Jango buscou apoio popular para as suas reformas de base) não foram suficientes para manter a estabilidade governamental, levando a se consumar um colapso da ordem constitucional e deposição do presidente com o “golpe militar”.
Aos meus contatos estudantis, juntavam-se as efervescentes atividades da JOC – Juventude Operária Católica e da JUC – Juventude Universitária Católica, braços dos jovens católicos, visando à formação política com tendência socialista. Salve o “PL”, o padre Luís, italiano de origem, sempre cantarolando, baixinho: “E viva a Torre de Pisa, que pende, e que pende, e que pende”. Muitos dos atuais líderes, políticos e empresários, na época ainda militantes estudantis, devem ter passado pelas mãos desse “ícone social-político-católico”. Tudo isso antes da tenebrosa e quase eterna madrugada chamada de “Revolução de 31 de março de 1964”, ou seria do longo dia “1º de abril”. Sei lá…
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