Lembro vagamente deste ocorrido, pois na ocasião não tinha mais do que dois ou três anos de idade. Minha irmã Ana, que beirava os cinco, conta esta estória com mais propriedade que eu e garante ter acontecido.
Na ocasião morávamos na Vila Corberi, em Itaquera, também conhecida por Morro do Querosene, pois foi o último lugar aonde a energia elétrica chegou e a única luz de que dispúnhamos à noite era produzida pelos lampiões de querosene.
Estávamos a sós em casa, eu e Ana, minha mãe, Dona Nair, que era uma ótima costureira, havia saído para entregar um vestido da Dona Dora do Paulo Faisano, quando nos deparamos com o homem já dentro de nossa casa. Um tipo forte e bigodudo, vestido de terno de risca de giz, com brilhantina no cabelo. Ele nos convidou para brincar de esconde-esconde, o que aceitamos de imediato, pois era nossa brincadeira preferida.
Brincamos por um longo tempo, mas sempre era ele quem se escondia, sumia de repente, procurávamos por toda a casa e só o encontrávamos quando ele assobiava. Ora estava no canto da porta, ora ao lado do fogão e, por último, sentado na viga de peroba lá no alto do telhado que não tinha forro. Em todas as aparições, estava ele com o copinho de cachaça na mão dando uma bebericada.
Já estávamos cansados e transpirando como uns pintos molhados quando minha mãe chegou em casa e ficou muito p… da vida ao ver toda aquela bagunça, tudo espalhado e fora do lugar. Ela já foi gritando com a gente e pedindo explicações para tanta desordem. Minha irmã tratou de contar que tínhamos visita e que estávamos brincando com o homem. Que homem? – indagou ela assustada. Ana apontou para a viga para mostrar nosso amigo, que lá já não estava mais.
Levamos umas palmadas por inventar uma estória sem pé ou cabeça e fomos incumbidos de colocar tudo no lugar o mais rápido possível. Novamente foi a Ana quem teve de arrumar tudo porque eu mal podia com a vassoura.
No dia seguinte apanhamos mais uma vez, pois meu pai não encontrou o copinho para tomar um gole quando chegou do trabalho e além de apanhar fomos incumbidos de encontrar o bendito do copinho. Não o encontramos.
Alguns meses mais tarde minha mãe chamou o tio Tão, marido de minha tia Terezinha, para arrumar uma goteira no telhado. Tio Tão, um típico faz de tudo, estava sempre disposto a ajudar o pessoal lá do morro. Ao subir com sua enorme escada no telhado pela parte de dentro da casa, qual não foi sua surpresa, aos berros gritou: Nair, Nair, encontrei o seu copinho sumido.
Minha mãe de imediato pode concluir que, sem escada e com apenas dois e cinco anos de idade, não fôramos nós que havíamos colocado o copinho lá. Chamou minha irmã e eu e pediu para nós descrevermos em mais detalhes o tal homem, nosso amigo daquele dia. Contamos tudo tim-tim por tim-tim. Ela ficou pálida e, chorando, nos informou que nosso avô Neca tinha vindo nos conhecer.
Tenho até hoje em minha casa a barriquinha de pinga da boa que deve ser de carvalho, e o copinho de vidro grosso trabalhado em detalhes que imitam cristal, que foi de meu avô materno, seu Neca Barboza (Manoel Ananias Barboza). Este avô eu nunca conheci, pois ele morrera jovem quando minha mãe tinha apenas oito anos.
Sei muito a respeito dele por ouvir as histórias contadas pelos meus tios mais velhos que minha mãe.
Meu avo Neca era filho de fazendeiros da região de Mocóca, que fora deserdado por ter se amigado com minha avó Dona Marieta Borghetti, uma colona da fazenda. Ele era um grande caçador de paca, gostava de farrear e adorava as crianças.
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