Um bonde chamado Saudade

Ano de 1957, para minha surpresa, ao abrir em um dia desses o meu micro, deparei-me com um e-mail na qual estampa uma cena inesquecível aos meus olhos: uma foto do ano de 1957; lá se vão 55 anos "apenas", um desconhecido amigo dizendo ter sido colega de Grupo Escolar na época, confesso: era para machucar este sensível coração; ocorreu sim a emoção, pois recordaria os momentos de uma infância jamais esquecida, éramos felizes e não sabíamos, plagiando uma música do poeta Ataulto Alfes. Nas imediações deste local vivi uma linda trajetória de vida, o infantil de uma existência.

O retrato estamparia um bonde daqueles abertos entrando na Rua Gabriel Piza para ir de encontro a artéria principal: a nostálgica Voluntários da Pátria na então bucólica Santana, antes passando bem em frente ao saudoso e imponente Grupo Escolar Buenos Aires, no qual terminaria meus estudos justamente neste ano, 1957.

O bonde aberto, devia ser umas 8h da manhã, apresentaria uma lotação esgotada com muitos passageiros dependurados no estribo ignorando os eminentes perigos; notava-se alguns garotos chocando o veículo ante a censura dos cobradores que procuravam alcançar estes rebeldes; o destino Largo de São Bento na então calma São Paulo; no interior do bonde eram notados senhores engravatados, senhoras em seus vestidos longos, aliás, devidamente sentadas, havia a educação, rara em nossos dias; garotos em uniformes escolares, outros de trabalho, aprendizes, faziam parte deste contingente de criaturas.

O motorneiro que conduzia o bonde fez até uma pose, lembraria o famoso bailarino motorneiro, famoso pela sua educação; o mesmo parava o veículo para as pessoas passarem, por incrível que pareça, fora do ponto; eram outros tempos, não havia a loucura do trânsito atual. Soube-se posteriormente que a preferência do bailarino era conduzir o bonde camarão, devido a cor avermelhada. O destino notava-se na frente: Largo do São Bento, escrito em letras garrafais; os escritórios, lojas, escolas receberiam no centro essas pessoas, eram os datilógrafos, os comerciantes, moças elegantes com o destino ao então glamoroso Mappin. A pontualidade do itinerário era cumprido a risca.

Nota-se ainda no alto do retrato o imponente Colégio Santana, na qual as meninas da época eram motivos das conquistas amorosas, eram lindas no uniforme azul, mais tarde morreria de amores por uma tal de Ana Maria, Monica, esqueci até o nome de todas, faz tanto tempo, cada entre nós nem poderia chegar perto devido as nossas diferenças sociais. Bem em frente ao Grupo Escolar encontrava-se então a Avenida Cruzeiro do Sul, que tinha o seu início na Conselheiro Saraiva, indo até a Rua da Cantareira. Por ela passaria o trem com destino ao Horto Florestal de tantas lembranças, a Maria Fumaça fumegante soltaria as suas brasas, quase atingindo às vezes os bondes, era uma Avenida tranquila, o seu apito confundia-se com o “trim” do folclórico bonde de tantas saudades.

Ah! Santana calma da tranquilidade da Cruzeiro, onde pessoas despreocupadas passeavam nem ligando para os Buicks, Pacards, Odmosbill objeto de desejos dos mais abastados. O cenário estava ali, nem se imaginava a transformação, hoje um metrô destruiu toda essa paisagem, era o progresso eminente que derrubou essa realidade que deixava todo mundo feliz. Um bonde surgiu em uma fotografia, tristonho, simplesmente deletei… Um bonde chamado Saudade…

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