Trote dificil de acreditar e Seu Ernani

Havia passado na TV um filme sobre o pânico e a histeria que um programa de rádio foi capaz de provocar em milhares de pessoas, fazendo-as acreditar que a Terra estava sendo invadida por marcianos, ao transmitir a adaptação do livro "Guerra dos Mundos" com a narração de Orson Welles.

No dia seguinte, no escritório, conversávamos sobre o filme quando o nosso gerente comentou que o sogro dele quase morreu por causa de um trote passado pelo rádio.

Ele nos contou que uma rádio de São Paulo transmitiu um jogo de futebol que nunca aconteceu. Sem que nenhum dos times estivesse em campo, um locutor iludiu os torcedores narrando os dois tempos de uma partida, na qual o time do São Paulo era goleado pelo adversário.

O sogro dele passou mal de tanta raiva, porque além de ser são paulino fanático, era vizinho de uns italianos (palmeirenses) que atazanaram a paciência do coitado durante toda a “partida”.

Achamos engraçado (todo mundo ri de piada de chefe), mas ninguém acreditou na história. Pensamos que ele estivesse gozando o Plínio, o único são paulino do departamento, querendo dizer um trote desse só poderia ser passado em torcida pequena, pois nenhuma rádio se atreveria a aprontar uma dessas com as torcidas do Corinthians e do Palmeiras.

Mais de trinta anos depois li no livro "O Marechal da Vitória" (a biografia de Paulo de Machado de Carvalho, fundador da Rede Record de Televisão), que aproveitando o fato de o time do São Paulo estar excursionando pela Europa, ele resolveu fazer uma brincadeira de “Primeiro de Abril” (o dia da mentira) e incumbiu Geraldo José de Almeida de gravar em estúdio a locução de uma partida fictícia de futebol, que depois foi transmitida pela Rádio Panamericana (atual Rádio Jovem Pan), em que o time do São Paulo sofria uma humilhante goleada de 8 (oito) x 1 (um) para o Milan da Itália.

Foi uma surpresa quando percebi que era a mesma história contada pelo meu antigo chefe, que com esse placar de 8×1 me parecia ainda mais absurda e difícil de acreditar.

Bem escrito, com dados históricos e muitas informações interessantes, posso dizer que o livro é ótimo. Só me pareceram muito brandas as reações depois que descobriram que o tal jogo tinha sido uma farsa. Afinal não se tratava de uma simples pegadinha, a cidade inteira foi enganada. Sem falar nos jornais e rádios que deram em destaque a notícia do "vexame do time do São Paulo na Itália", porque o desmentido só foi feito no dia seguinte.

Cheguei até a pesquisar na internet, mas não encontrei nada diferente.

Ainda não havia terminado de ler o livro, quando tive o prazer de conhecer Seu Ernani. Eu já o havia visto outras vezes naquela barbearia, que freqüento eventualmente, mas aquela foi a primeira que nos sentamos um ao lado do outro e conseguimos conversar.

Com 85 anos, uma memória privilegiada e boas tiradas, Seu Ernani é de um ótimo papo, além de ser um são paulino que adora relembrar feitos históricos de seu tricolor, desde os tempos de Sastre e Leônidas da Silva.

Não perdi a oportunidade de lhe perguntar sobre o trote da Rádio Panamericana, e ele se lembrava perfeitamente do episódio. Seu Ernani explicou que não houve revolta por parte da torcida do São Paulo, pois a maioria aceitou a brincadeira na esportiva e com bom humor.

Os torcedores ficaram felizes e aliviados em saber que o time não tinha sido goleado e Paulo Machado de Carvalho era muito querido e respeitado por ter sido um grande dirigente do clube. A coisa depois até foi invertida, com os são paulinos gozando os torcedores adversários que tinham comemorado a derrota do São Paulo. Vale colocar aqui a ressalva feita pelo Seu Ernani:
– "Isso porque nós, são paulinos, somos finos, se fosse outra torcida, não sei não…".

Ele contou também que foi muito elogiada a atuação do narrador do tal jogo fictício (ele não se lembrava que tinha sido Geraldo José de Almeida), tanto que quem não tinha ouvido (inclusive gente que nem gostava de futebol) queria ouvir, e quem já tinha ouvido, queria ouvir novamente, tendo inclusive a Rádio Panamericana (ele achava que tinha sido a Rádio Record) recebido muitos telefonemas com pedidos para repetir a transmissão do jogo, mas isso não chegou a acontecer (*).

Com o tempo as críticas dos jornais e rádios e foram diminuindo, sendo o assunto esquecido quando alguns anos depois Paulo Machado de Carvalho foi o chefe da delegação da seleção brasileira campeã mundial de futebol na Suécia. Talvez por isso eu nunca tenha lido ou ouvido alguma a respeito outras vezes.

Ao me despedir comentei com Seu Ernani que isso poderia dar uma boa história para o Site São Paulo Minha Cidade e como ele disse que tinha "horror a essas coisas de computador", combinei de imprimir algumas histórias publicadas pelo SPMC (**) e deixar na barbearia, onde ele disse que "batia ponto quase todo dia para jogar conversa fora com os amigos".

Voltei à barbearia depois algumas semanas e Seu Ernani havia deixado em meu nome um envelope com um bilhete agradecendo pelas histórias e o pedido que eu lhe telefonasse quando possível.

Liguei naquele mesmo dia e fui atendido por sua filha, Julia, que conversou comigo por alguns minutos depois que me identifiquei:
– “Depois que o meu pai "devorou" as histórias que o senhor mandou, eu até imprimi mais algumas para ele ler, mas como eu não tenho impressora em casa, ele se convenceu que era muito mais prático ler as histórias diretamente na tela do meu notebook, e para não ficar dependendo dos outros, eu escrevi um roteirozinho para ele ligar o computador re entrar sozinho no site São Paulo Minha Cidade, que alias, nós adoramos. Ele ficou tão entusiasmado que a curiosidade, a necessidade e ajuda dos netos despertaram nele um internauta adormecido. Vou passar o telefone para ele. Um abraço e apareça para nos fazer uma visita”.

Nossa conversa foi longa, vejam abaixo alguns trechos do que foi dito pelo Seu Ernani:
– “Eu estava pensando em ler as 5000 mil histórias do São Paulo Minha Cidade até o final do ano, mas não vai dar. Têm muitas que a gente gosta tanto que acaba lendo três ou quatro vezes…”.

– “Esse Google é um negócio fabuloso. Eu anoto tudo que eu quero saber numa caderneta e depois pergunto. Eu estou dando um trabalhão danado pra eles. Consegui até encontrar coisas do Lourenço Diaféria”.

– “A Julia encomendou um computador novo e vai deixar esse pra mim. Aí eu vou poder levar na barbearia porque tem umas coisas que eu quero mostrar para aquele pessoal atrasado…”.

Seu Ernani recomendou que, quando escrevesse a história do trote da "Rádio Record", não me esquecesse de citar Teixeirinha, Gino Orlando, Canhoteiro e Roberto Dias. E quando comentei não me lembrava onde eles entravam na história, então ele respondeu:

-“Eles não têm nada a ver com a história, mas toda vez que se falar alguma do São Paulo Futebol Clube tem que falar o nome desses quatro. Aceite o meu conselho, os são paulinos vão me dar razão”.

Como eu não poderia negar um pedido do Seu Ernani, ai vão os nomes: Teixeirinha, Gino Orlando, Canhoteiro e Roberto Dias.

(*) Como essa informação não consta do livro, vou encaminhá-la aos seus autores, pois talvez eles tenham interesse em incluí-la em uma próxima revisão, nem que seja para ressaltar o talento de Geraldo José de Almeida.

(**) Mario Lopomo, Luiz Simões Saidenberg, Marcos Falcon, Joaquim Ignácio de Souza Netto, Vera Moratta, Wilson Natale, Rubens Cano de Medeiros, Lygia Bradnick, Leonello Tesser (Nelinho) e Trinidade Pantiga Espinosa, autores das pouco mais de cinqüenta histórias que enviei para o Seu Ernani. Os responsáveis por ele deixar de ter "horror a essas coisas de computador".

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