Recordo que na minha infância passada em São Domingos, no Butantã, era comum periodicamente instalarem circos e parques nos terrenos baldios existentes em abundância naqueles anos 60.
Região ainda em formação, distante do centro da capital, era praticamente um descampado com poucas residências e um comércio capenga formado basicamente por uma única avenida que abrigava uma padaria, a farmácia do Zé, o salão de barbeiro do João, o Ligeirinho, o Armazém dos Gregos, um açougue que não me recordo o nome do dono, e mais de uma dezena de botecos, desses onde o estoque principal é variado, variado nos tipos de cachaças, e ainda as mesas de bilhar. Contudo um lugar composto por trabalhadores humildes que com sacrifício e dignidade mantinham a família e educavam os filhos seguindo os preceitos antigos, pancada, bordoada e de vez em quando um agradinho.
Se o luxo e as chamadas coisas boas de consumo não eram acessíveis para nós simples garotos da periferia, a felicidade era farta. Tudo nos contentava: o jogo de bola no campinho ao lado de casa, a pipa com a armação de varetas de bambu, o carrinho de rolimãs, o jogo de taco, a bolinha de gude, o peão e outras brincadeiras de custo zero.
Além de todas as simples brincadeiras que faziam a nossa felicidade, particularmente o circo me fascinava, cuja paixão perdura até os dias de hoje. Lembro-me que frequentemente se instalavam por vezes parques de diversões com brinquedos limitados em precárias condições de segurança e por outras alguns circos mambembes. Do parque tenho na memória as falas do serviço de alto falantes que repetidamente dava a nota:
-“Venham se divertir e passar horas agradáveis no Parque de Diversões Flor da Serra. Teste sua pontaria na barraca do tiro ao alvo e ganhe lindas prendas”
E continuava:
– “Agora no intervalo musical uma canção que alguém presente no recinto oferece à garota trajando blusa cor-de-rosa e saia preta como prova de admiração.”
“Diana” com Carlos Gonzaga era executada. E prosseguiam com o leque de atrações:
– “Venha se balançar nas barquinhas do amor você também, de um lado puxa você do outro puxa o seu bem”.
E dá-lhe “O ritmo da Chuva” com Demetrius, “Anna” com os Beatles e outras delícias mais.
Com relação ao circo, além da fascinação, estão vivos na memória um fato ocorrido em um domingo à tarde, na matinê, quando o Circo Teatro Jóia do Palhaço Rebian estreava as novas lonas de cobertura impermeabilizadas com um produto inflamável.
O locutor Ditinho anunciava as atrações:
– “Grande tarde hoje no circo Jóia. No picadeiro Rebian, o palhaço que fez rir mais de 5 mil crianças no ginásio do Ibirapuera, e no palco o astro do rádio e da televisão, o ídolo da mini guarda, Ed Carlos. Quem não vier o que e? É goiaba!”
Casa cheia, mas naquela tarde não pude ir, não tinha como pagar. O espetáculo se desenrolava com atrações variadas antecedendo o ídolo que à época ainda fazia sucesso. De repente gritaria geral:
– “Fogo! Fogo!”
O caos é instalado.
Do campinho onde jogávamos futebol, víamos a fumaça cinza se elevando, corremos em direção ao circo. Na contramão encontrei com o estimado amigo Eugênio, ainda mais branco, em desabalada carreira rua abaixo. Quando nos viu parou para dizer:
– “Pegou fogo no circo. Sorte que conseguimos sair porque derrubaram os alambrados.”
Para depois prosseguir em fuga.
Os bombeiros não chegaram a tempo de apagar o incêndio. Momentos depois fomos ver o estrago. Sobrou apenas o mastro central. Dentre todos os espetáculos que eu presencie em um circo aquele foi o que mais me marcou, no centro do picadeiro Rebian abraçado à mulher grávida com os filhos ao redor choravam desolados.
Nunca mais me esqueci da cena de Rebian, o Carioca e sua família encenando a tragédia da vida real naquele picadeiro em meio às cinzas que outrora proporcionara tanta alegria.
“Respeitável público o espetáculo não pode parar”
– “Abaixa o Sol levanta a Lua, olha o palhaço no meio da rua.”
– “Hoje tem marmelada? Tem sim senhor… E o palhaço o que é? É ladrão de mulher.”
Esta é uma pequena homenagem ao palhaço Rebian, o Carioca do Circo e Teatro Jóia, que me fez rir e soltar muitas gargalhadas na infância e contestar desde então a frase: “Alegria do palhaço é ver o circo pegar fogo.”