Alguém se lembra do Teatro Markanti, ali na Rua 14 de Julho, 114, próximo à maravilhosa italiana alcunhada Padaria 14 de Julho, que deu o nome da rua, ali na Bela Vista?
Foi no Teatro Markanti onde estreei minha primeira peça teatral para público pagante; chamava-se "Alice Candura pura pura", do Naum Alves de Souza, com músicas de Osvaldo Faustino, no ano de 1986, com o grupo teatral "Semente" e direção de Elvira Gentil.
Este pequeno teatro foi propriedade de Marlene Marque e Paulino Raffanti, o qual, numa brincadeira de justaposição de sobrenomes, deu origem ao nome Markanti.
Quando tomei conhecimento deste teatro, os donos já eram outros: Afonso e Elvira Gentil, um casal de diretores e empreendedores teatrais em São Paulo, que tão bem administraram o teatro com pecas de boa qualidade e com ótimos atores.
Não sei exatamente as datas de construção desde espaço artístico, pequeno no tamanho, mas que abrigou desde aspirantes, como eu, até gente que já estava nas paradas de sucessos da época.
Foi neste mesmo teatro, no final dos anos 80, quando ainda se sentia os últimos suspiros da famosa ditadura, que eu vivenciei de leve o que era a tal da censura. Na época, todo e qualquer espetáculo, para ser liberado ao público, tinha que sofrer uma avaliação obrigatória por uma comissão de censores. Assim, enviava-se previamente o texto a ser encenado, o qual sempre voltava com cortes, ou sugestões de trocas de palavras. E não sendo esta interferência suficiente, a tal comissão teria que assistir a um ensaio geral para a liberação definitiva da produção artística.
Esta comissão tinha o poder de impedir a apresentação pública de qualquer espetáculo que apresentasse algo que julgassem "ofensivo". Qualquer piscadela fora de hora, uma palavra de dúbio sentido, cenas e músicas que julgassem inapropriadas, era motivo para que o espetáculo estivesse condenado, e sua apresentação pública fora de cogitação. Se a produção fosse proibida, o diretor/produtor tinha que arcar com um prejuízo enorme, pois naquele ponto a peça já estava produzida e os gastos feitos.
Muitos diretores, para burlar a tal censura e fazer com que o espetáculo fosse aprovado, evitando assim o prejuízo financeiro e perda do valor cultural da produção, utilizavam-se de um subterfúgio muito maroto e necessário. No dia do fatídico ensaio geral, ou, como chamávamos, "espetáculo pra censura", modificavam-se possíveis falas e cenas que pudessem parecer "ofensivas" aos censores, e apresentava-se um espetáculo imaculado para as vistas daqueles senhores.
Foi desta estratégia que a nossa diretora Elvira Gentil utilizou-se no dia da apresentação para a famosa "banca de senhores engravatados", lá no Teatro Markanti. Lembro-me dela nos pedindo para editar algumas falas e músicas, apresentando um espetáculo bem sem graça. O que foi difícil, em se tratando de uma comédia musical, porém, relembrando a bocejada que um deles soltou, penso que naquele momento alcançamos o nosso intento. Contudo, após esta "intromissão" cultural, a nossa peça foi aprovada e, logicamente, na estréia, tudo voltava ao normal e encenávamos o espetáculo na íntegra.
Participei de mais algumas peças no palco do Markanti e depois de alguns anos, no início dos anos 90, este foi vendido e se tornou Teatro Henfil. Não sei quanto tempo ficou ativo com este nome, contudo parece que fechou anos depois e virou um estacionamento!!!
Esta é um pouco da história do Teatro Markanti e da interferência da censura sofrida pela nossa indústria cultural nos final dos anos 80. Nestas lembranças, às vezes me pego pensando: “Por onde andarão os tais funcionários públicos da época, os que faziam o papel de censores?”.
e-mail do autor: [email protected]