Samuel Wainer, um jornalista

Ser jornalista é escolher a profissão mais nobre possível. Ser jornalista é ser um fornecedor de notícias, um formador de opinião, um fuçador dos longínquos rincões, um investigador (o chamado jornalismo investigativo).<br><br>O grande jornalista Alexandre Kadunk, diretor de jornalismo da Rádio Bandeirantes, anos 1960-70, além de jornalista era o grande amante da notícia. Seus jargões ao abrir seus noticiários eram sempre dando vazão às novidades acontecidas naquele momento. Ex.: Lazer…<br><br>Na redação do jornalismo da Band, ele costumava dizer que o jornalista era aquele que ia "anunciar o fim do mundo".<br><br>Agora, quem nasceu para ser jornalista mesmo foi Samuel Wainer. Era ele integrante dos jornais associados de Assis Chateaubriand. Ele, a mando do chefe, foi ao Rio Grande do Sul fazer umas entrevistas para provar que não havia a possibilidade de se plantar trigo no Brasil. Coisas que vinham na cabeça de seu patrão.<br><br>E lá foi o repórter, depois das entrevistas estava ele numa cervejaria com uma tremenda "bomba" nas mãos. O que traria para Chateaubriand era justamente o contrário. Dava para se plantar trigo nas fazendas do sul, e como dava!<br><br>Mas jornalista nunca perde a viagem. Estando no Rio Grande do Sul, pensou ele, que tal fazer uma entrevista com Getulio Vargas? O piloto que estava levando Samuel Wainer disse que já tinha ido algumas vezes à fazenda do ex-presidente. Chegando lá Samuel Wainer deu um cartão ao capataz e mandou entregar a Getulio, e não demorou muito para voltar com a resposta de que ia ser recebido por Getulio Vargas. <br><br>A princípio tirou fotos e conversaram durante 45 minutos. Mas a pergunta que estava fazendo cócega na garganta do jornalista não podia deixar de ser feita. “O senhor vai voltar à política?”.<br><br>A resposta foi sim. "Eu voltarei, não como líder político, mas como líder das massas".<br><br>Era uma terça-feira de Carnaval. Wainer telefonou a Chateaubriand, e disse o que tinha ouvido. E Chatô não deixou por menos: já que ele disse, então eu assino embaixo. <br><br>O repórter disse ao patrão: “Acorde o Eiras (editor) e solte a reportagem. Mande publicar com todo destaque, que vamos "engordar esse porco" para assustar a burguesia”. Samuel Wainer foi setenta vezes a São Borja de avião, ida e volta. <br><br>Num desses encontros Getulio puxou ele pelo braço e perguntou: “Você vai publicar quem foi o responsável pela minha derrubada em 29 de outubro de 1945?”.<br><br>“Presidente. Não foi o exército, foi o Spruill Braden, o famoso embaixador dos EUA, na Argentina, que tinha derrubado Perón”. A partir daí aconteceu uma grande amizade do jornalista com o presidente Getulio Vargas, vitorioso na eleição de 1950.<br><br>Já eleito, Getulio tinha a seu lado um dos poucos, quem sabe o único jornalista a seu lado. Havia um boicote de toda a grande imprensa às notícias do palácio do catete, o que incomodou o jornalista, que foi o único a cobrir a reunião ministerial. A grande imprensa pretendia boicotar Getulio pela tática do silêncio, e Wainer o alertou a esse respeito. E, sorrindo, Getulio disse a Samuel Wainer: “E tu, por que não fazer um jornal?”. Assim nasceu a Última Hora, no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1951, e no ano seguinte foi a vez da Última Hora de São Paulo, em março de 1952, com redação e oficinas na Avenida Prestes Maia, à direita de quem ia ao bairro de Santana.<br><br>O extraordinário senso jornalístico de Wainer criou um jornal que fugia dos padrões vigentes na forma de se fazer jornais. A Última Hora trazia artigos sofisticados e até um caderno a cores. Tinha uma coluna humorística a cargo de Sergio de Andrade, o Arapuã.<br><br>Mas publicava notícia policial na primeira página, defendia júri popular para crimes contra a economia e tratava em detalhes o custo de vida. Era um órgão de imprensa que apoiava pessoalmente Getulio; procurava interpretar seu pensamento, e não o do governo, que às vezes até criticava, dada a sua linha de independência jornalística. <br><br>Em apenas seis meses, a Última Hora, vendia mais do que O Globo, o diário de maior tiragem no país.<br><br>Última Hora era sucesso tanto no Rio como em São Paulo. Mas a partir do movimento que se acirrava a campanha contra Getulio, o jornal foi perdendo seus anunciantes que conquistara a partir do sucesso inicial, e passou a se sustentar apenas com a venda dos seus exemplares. Os dardos envenenados contra Getulio e Samuel Wainer eram lançados por Carlos Lacerda, por meio do seu jornal A Tribuna da Imprensa, outro jornal que ficara pra trás. <br><br>Só sei que uma CPI foi feita para se averiguar o financiamento dado ao jornal pelo Banco do Brasil e por parte de empresas privadas. Numa só noite, Samuel Wainer foi submetido a um interrogatório com mais de 180 perguntas. Por ter se recusado a dar o nome de seus financiadores (um deles era o conde Francisco Matarazzo), Wainer passou dez dias na cadeia, por "desacato ao congresso".<br><br>Chamado a depor na CPI, o industrial paulista Francisco Matarazzo afirmou com todas as letras que tinha financiado o jornal. "Era meu o dinheiro, e eu não tenho que dar satisfação disso a ninguém". E perguntou a um dos seus inquisidores: "O senhor conhece, por acaso, algum dono de jornal do Brasil que seja pobre?".<br><br>Apesar do escândalo e das intrigas, nada de palpável foi obtido pela CPI, que pretendia incriminar Samuel Wainer e derrubar o governo. Como nos dias de hoje, a CPI terminou em pizza.<br><br>Samuel Wainer sempre foi vigiado, patrulhado, coisa que sempre acontece com quem tem talento demais e que faz falta a outros. <br><br>Samuel Wainer foi sempre fiel a Getulio e a tudo que Getulio deixou depois da sua morte. Seu jornal foi, dentre outras coisas, um editorialista dos trabalhadores, e quando João Goulart, afilhado político de Getulio, assumiu o poder, Samuel Wainer deu a ele o apoio que dava a Getulio. E quando veio o movimento militar de 1964, ele foi vítima do regime e preso por ser um defensor do regime anterior. Exilado ficou até que a anistia lhe foi dada em 1979. De volta a sua terra, e desempregado, foi chamado por Octavio Frias de Oliveira a trabalhar, e os leitores da Folha de São Paulo passaram a ter a satisfação de ler grandes artigos de sua autoria. Quando ele deixava a redação ao final do expediente, sua máquina ficava de teclas para o ar. Era a senha indicando que o articulista estava em hora de descanso, afinal ninguém é de ferro. <br><br>Um dia, sua máquina permaneceu para sempre de pernas para o ar. Digo, de teclas. <br><br>Veio a notícia: Samuel Wainer morreu. Foi chamado a escrever num patamar mais alto.<br><br>e-mail do autor: [email protected]