Sampa e o U2

Visitei São Paulo. Fui assistir ao show da minha banda preferida, o grupo irlandês U2. Eu, que passei grande parte da minha vida ouvindo o Bono Vox, não acreditei quando os ingressos chegaram às minhas mãos. Moro numa cidade minúscula e pacata e de repente me vi dentro de um avião, rezando para que tudo desse certo. Houve uma escala no aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro e de lá desembarquei no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. <br><br>Uns me chamam de louco, mas nada melhor do que se deixar surpreender e ver o mundo com os olhos curiosos de uma criança ou de um fã apaixonado. Santo Agostinho já dizia que a vida é um livro e quem não viaja só lê a primeira página. Esqueci que a cidade de São Paulo tem mais de 11 milhões de habitantes e que é a terceira maior do mundo. Tive paciência com as filas do check-in e apaguei da memória as cenas de violência que vi na TV, os alagamentos e o trânsito infernal. Só viajar importa. Ter a liberdade de ir de um lugar a outro e se entregar às cenas que surgem a nossa frente, não tem preço. <br><br>Eu queria me surpreender com a grandeza do show, com a imensidão do estádio do Morumbi, sentir a vibração positiva das pessoas cantando e gritando as minhas canções favoritas. Olhei atentamente a arquitetura dos prédios, o ritmo da multidão lotando o metrô rumo aos seus trabalhos, os botecos e padarias lotados de clientes anônimos. O rio Tietê carregado de poluição nem é tão feio assim. Tudo depende do seu olhar. Caso queira se estressar com o trânsito, com certeza você será feliz nessa empreitada. Como disse, quis olhar a cidade de um outro jeito, de uma maneira menos adulta e mais infantil. No meio daquela loucura de carros e motos eu conseguia ouvir minha respiração e ficava maravilhado com o vôo dos milhares de helicópteros sobre nossas cabeças. Por que é tão difícil as pessoas se desligarem numa cidade como São Paulo? A verdadeira fonte da juventude talvez seja justamente isso: embargar numa viagem em buscas de surpresas, de coisas novas, de um movimento diferente. São Paulo não é só uma cidade. É um mundo, apesar do clichê. E foi atrás dele que quis mergulhar, pois aprendi desde cedo que devemos jogar o coração lá na frente e sair correndo para pegá-lo. <br><br>Chego muito cedo num aeroporto lotado de pessoas falando diversos idiomas e me assusto com os 15 graus. Espero no local combinado com uma amiga, mas ela não aparece. Ligo sem sucesso e fico tranqüilo quando vejo crianças brincando sem parar ao lado de seus pais. Não me senti um nordestino pobre, perdido entre americanos ricos recém chegados. Depois de uma longa meia hora, reencontro Magda, a minha companheira de show.<br><br>Tomamos um ônibus executivo com destino ao centro de São Paulo, mais precisamente em direção à Praça da República. Estava quase tudo igual, como há 16 anos atrás. As mesmas estátuas, prédios e avenidas. A Marginal Pinheiros ficou enorme depois de um aterro, surgiu a Ponte Estaiada e o lindo edifício da rede Globo. O Edifício Martinelli ainda se encontra no mesmo lugar, repleto de histórias e fantasmas, e o Itália virou um mero esqueleto de vidros sujos e sem vida. Para os mais curiosos, eu não fui na 25 de março. Em compensação, comi morangos americanos no Mercadão e saboreei um imenso pastel de bacalhau. Vi frutas das quais nunca saberei os nomes e países de origem. Fantástico! <br><br>Caminhava na rua como um típico paulistano. Rápido, muito rápido, como se estivesse atrasado para uma reunião importante. Tomei café em uma daquelas inúmeras padarias e passei horas na Galeria do Rock, com tribos de todas as facções. Subi no alto do Banespão e de lá consegui ver a silhueta da serra do Mar, tendo todos os prédios aos seus pés. Tomei chopp na cervejaria São Jorge e fiquei olhando as pessoas indo e vindo. Queria segui-las, saber de suas vidas, aonde iriam, em que estação de metrô desceriam? Fiquei encantado com o acervo do MASP: Monet, Manet, Velásquez, Goya, Renoir… Tudo ali ao alcance dos meus olhos. Vi os detalhes das pinceladas e o incrível jogo de luz e sombras. Eles são gênios na melhor acepção da palavra.<br><br>Fui ao parque Trianon logo em frente e senti a beleza de uma floresta de Mata Atlântica. Como conseguiram preservar tudo aquilo? Descendo a Paulista, entrei na casa do poeta Haroldo de Campos, mais conhecida como Casa das Rosas. As salas estavam lotadas de pessoas ouvindo poesia e música erudita. Tudo é cercado por um belo jardim, cheio de rosas de todas as cores. Com certeza, foi o único casarão que restou na Paulista. <br><br>Chegamos à famosa Rua Augusta e os meus pés já pediam socorro. Tomamos chopp com fritas, enquanto um vento gélido batia em nossas caras. Ao nosso lado, um casal namorava e chorava ao mesmo tempo. Aposentados passeavam de mãos dadas e adolescentes voavam com seus skates. Alguém dentro de um Mercedes blindado nos olhou e atendeu ao celular.Torres coloridas imensas no alto dos prédios nos davam as boas vindas. De táxi passamos devagar pela chic Oscar Freire e, caso eu resolvesse descer para pisar na calçada, acredito que me cobrariam mil reais no mínimo.Terminamos o dia no Bar Brahma, na tão famosa esquina da Ipiranga com a São João. Quase não dormimos. Íamos nos deitar as três e as sete já estávamos no mundo. <br><br>Como nem tudo é festa e show, fui assistir à uma missa no mosteiro de São Bento. Quando os monges entraram por uma porta lateral entoando cantos gregorianos eu desabei. Meu queixo caiu e eu era só ouvidos. Podia ouvir as batidas do meu coração. Toda a Igreja ficou impregnada com o cheiro de incenso e, naquele instante, eu senti o poder monumental da Igreja Católica, com seus ritos, dogmas e tradição. Depois da missa fomos comprar biscoitos produzidos pelos monges, numa lojinha anexa ao mosteiro. O gosto, só os anjos podem traduzir.<br><br>Passamos no Café Girondino e tomamos um expresso para espantar o frio da manhã. Muito chique, até parecia que eu estava em Paris! Passeamos pelo Vale do Anhangabaú e tiramos fotos do Teatro Municipal ainda em reformas. Almoçamos em um restaurante próximo ao hotel, o famoso Gato que Ri, onde são servidos apenas pratos italianos, sendo este talvez o mais antigo restaurante de São Paulo. O preço era um pouco salgado, mas… <br><br>Pegamos um táxi e fomos para o estádio. As filas já estavam enormes e aí eu soube o que seria uma Torre de Babel. Atrás de mim, um casal de Porto Alegre. Logo a frente outro de Recife. Na fila ao lado, argentinos e venezuelanos. E no meio dessa “muvuca”, todo tipo de camelô vendendo camisetas, cerveja, capas de chuvas e sanduíches. A fila nunca andava e eu começava a ficar nervoso. Depois de três longas horas os portões finalmente se abriram e eu me deparei com um Morumbi só para mim. O palco era gigantesco e, em poucos minutos eu percebi a imensidão de haver 90 mil pessoas juntas, com o mesmo objetivo: ver um show incrível! Era como se a população de três Campo Maior estivesse num mesmo lugar. <br><br>Comecei a tomar litros de cerveja. Estava eufórico, quase ficando louco. De repente, uma chuva desaba sobre nós. Muita água com direito a raios e trovões. Coisas de São Paulo. Faltando meia hora para o início do show as estrelas apareceram no céu como que por encanto. Um relógio no telão foi se esfacelando aos poucos, uma luz divina clareando o palco e voz do camaleão David Bowie surgiu rasante nas caixas de som. Enquanto a sua música Space Oditty tocava, todo o estádio se transformou numa espécie de arena romana. Todos gritavam em coro: “U2, U2, U2, U2!”. E logo em seguida eles surgem, como deuses, como gladiadores, como tudo. O estádio todo tremia, canhões de luz surgiam do nada e tudo se transformou numa espécie de fogueira incandescente. Os meus ouvidos pediam socorro e a pele dos meus braços parecia que ia sair voando. O resto eu não sei explicar. Chorava, gritava e quando eu pensava ser o único, olhava para os lados e todos estavam iguais a mim ou pior. Para quem era acostumado a shows como os de Ivete Sangalo, tomei um tapa na cara. O show foi fantástico, perfeito e lindo. <br><br>No fim da última música, corremos para pegar um táxi a um preço exorbitante, mesmo já sabendo desse abuso. Subimos uma ladeira que não tinha fim e chegamos exaustos ao primeiro carro disponível. Quando estávamos quase chegando a um boteco, prontos para tomar as últimas da noite, o táxi passa devagar pela Cracolândia. E nesse momento eu me apavorei de verdade. Milhares de zumbis transitavam numa rua inteira sem serem incomodados. Só se via o fogo dos seus cachimbos acesos. Milhares de seres esquálidos, escondidos por cobertores imundos, vagavam de um lado para o outro. Uma cena que jamais irei esquecer. Chegando próximo à Rua Augusta, vimos diversos travestis que desafiavam o frio e a morte. Meu Deus, que vida é aquela? <br><br>Na manhã seguinte, pegamos o metrô limpíssimo e fomos conhecer o museu do Ipiranga. Mais fantástico que ele, só a praça à sua frente. Um espaço sem fim, entrecortado pelo Riacho do Ipiranga e que, a essa altura, virou apenas um esgoto a céu aberto. Ainda tivemos forças de visitar o parque do Ibirapuera e comer uma pizza nas cantinas do Bixiga. Faltou visitar muitos lugares, mas já começava a sentir saudade de Campo Maior. Andar sem trânsito, conhecer todo mundo, olhar o céu sempre azul e dar graças a Deus por estar de volta outra vez.<br><br><br>E-mail: [email protected]<br>