Primavera no Jaraguá

Jaraguá, o senhor dos vales. Rosa dos ventos. É aqui em cima que moram todos os ventos de São Paulo. Aqui passo o tempo observando os inumeráveis segredos da natureza.

Em torno de mim as borboletas adejam como insetos enlouquecidos de um lugar para outro, anunciando o triunfo maravilhoso da primavera sobre o inverno que se despede melancólico. Os campos ao redor do Jaraguá se revestem de um esplendor, cuja renovação das folhas anunciadas pela nova estação traz o cheiro peculiar de terra e da mata.

O aroma das plantas espalha no ar seu cheiro de salva e manjerona. Os pássaros começam a carregar pequenas hastes para construírem os seus ninhos, e os regatos exaustos engrossam, e cobrem-se de espumante murmúrio.

É a primavera que surge no senhor dos vales, esplendorosa e toda a natureza se reveste de claro. A estrada turística do Jaraguá, antes silenciosa, animou-se subitamente. E venta e venta. E neste vento irresistível da Rosa dos Ventos que faz balançar imperceptível em torno d a haste uma glicínia ainda adolescente.

É um prazer puríssimo ver os pássaros escalarem os mais altos ramos das árvores para de lá saudarem o sol, com alegres trinados. Dir-se-ia o renascer do mundo. E aqui em cima na Rosa dos Ventos, venta. E venta.

E a floresta no entorno do píncaro do Jaraguá pareceu-me mais nova, mais verde; por toda parte, cheira à terra úmida e as árvores reflorescem. Até dos lodaçais surgem os talos e flores de delicados matizes.

Um tanto escondido no meio daquele farfalhante cenário, desponta um conjunto de orquídeas brancas e vermelhas, no meio do lodo. É a envolvente calmaria, na imperturbável serenidade da natureza, onde meus passos ressoam como uma carícia e uma gratidão pura que penetra como se todo aquele cenário quisesse fazer-me uma saudação palpável.

Rosa dos Ventos. É aqui em cima, no alto do senhor dos vales, é que moram todos os ventos de São Paulo. Sacudo a roupa salpicada de picão. Vou caminhando a passos lentos, comprazendo-me em ouvir o murmúrio quase vivo do farfalhar nas folhas das árvores.

De repente, prende-me a atenção um murmurejar de águas doce, monótona, ante o cenário do riacho que se desprende da nascente para os lados da trilha estreita que margeia a raiz do morro. Um lagozinho manso, profundo, cristalino de águas sonoras fugitivas fecha à barroca.

Perobas gigantescas de caule escuro; jequitibás seculares, canchins de folhas espinhentas; guarantãs lisos de troncos esbeltos muito elevados; taiuiás claros; guaipás abrolhados em acúleos; mil lianas, várias orquídeas de flores roxas, amarelas, azuis, escarlates, tudo isso se confunde numa massa matizada em um deboche de cores que trás na imaginação aquele belíssimo cenário do cheiro de primavera.

E o sol impregnado de feixes luminosos por entre a folhagem, mosqueia o solo pardo de reflexos verdejantes. Insetos multicores esvoaçam, zumbindo no silêncio da mata. Uma exalação capitosa sobe da terra conjuga-se à essência sutil que se desprende das orquídeas.

A natureza no início da primavera muda a toalete e entra no período dos amores. Irrompe a florescência com todo o seu luxo de formas com toda a sua prodigalidade de matizes, com todo o seu esbanjamento de perfumes.

O lento sussurro das aves selvagens misturava-se ao zumbir das borboletas e qualquer coisa como um balbucio de ressurreição corre de folha em folha. É a primavera que desponta com toda sua beleza regalando a natureza com o renascer da vida. Os eflúvios da terra emanavam de todas as coisas, e sem saber por que, imagens lendárias me vêem a memória fazendo-me pensar nos tropeiros que séculos passados por lá gravitavam e da tribo guarani que por lá habitavam. E do sol que rolando entre as nuvens brancas a oeste do horizonte, despede-se no poente dormente para depois reaparecer satisfeito e lavado no dia seguinte.

Ah! Primavera no Jaraguá… Tudo que os bosques têm no seu rico tesouro, as flores, o perfume, que ele o vento, da Rosa dos Ventos transporta impregnado pelo odor matinal das flores de laranjeiras através dos campos; às vezes, vem a tempestade onde densas nuvens se formam ao longe na grande cidade e enegrecem subitamente no horizonte encobrindo o teto dos edifícios e o aguaceiro também desaba sobre o Jaraguá, oferecendo um espetáculo grandioso.

O céu e a terra parecem juntar-se iradamente, esboçando fugitivas figuras sobre a paisagem. Do alto da minha observação, avisto lá em baixo o casario da região. A velha estação do trem envolta na calmaria aparece aos meus olhos à mesma paisagem imóvel, com seus trilhos luzidios brilhando ao reflexo da luz do sol. Uma máquina elétrica empurra os vagões de carga ao longo do caminho numa manobra sinuosa.

Debruçado num corrimão de madeira, observo o mágico reflexo que, na penumbra das árvores, surge o costumeiro atalho que muitas vezes sem pressa, ao passo melancólico de quem não tem hora de chegar, vou caminhando. Ah! Rosa dos Ventos. E venta e venta.

E é daqui do alto que avisto os cimos levemente azulados e transparentes das montanhas em volta. E a beleza da paisagem penetra na minha alma só de olhar os caminhos no vale lá em baixo recendentes de raízes e folhas; o acre aroma da resina intensa das árvores como do cerne de algumas plantas onde pouco a pouco tudo se transforma em harmonia e serena força.

E é aqui em cima, no alto do senhor dos vales, que moram todos os ventos de São Paulo. E venta e venta na Rosa dos Ventos. É primavera que chegou aos píncaros do Jaraguá.

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