Anos 50. Vivi minha infância em Vila Mariana. Casa térrea, simplória, quintal enorme, flores e árvores. Bem defronte à Rua Caravelas, onde hoje – empertigado – há um enorme condomínio: nos fundos, a 23 de Maio.
Nosso quintal era contíguo a uma face de gigantesca chácara, floricultura e horticultura. Junto desse quintal, razoável plantação de pinheiros, cultivados para o Natal. Em cima dos quais, em 1957, ocasião do 25º aniversário da Revolução de 32, despencou um dos pára-quedistas que então saltavam de um DC-3 da Cruzeiro (se não me engano), com o objetivo de atingir o Ibirapuera… Quase atingiu nosso telhado… Danos? Um ou outro pinheiro (do senhor Joaquim, chacareiro) escangalhado. Anoiteceu, o cara não desvencilhava dos pinheiros… Foram ajudar.
Embora tendo sido moleque de brincar na terra, à época, não me lembro de haver muito passarinho, como hoje. Eram só pardais, tico-ticos, andorinhas. Uns moleques andavam doidos atrás dos poucos bicos-de-lacre e cardeais. Falavam – exagerando – de "cadornas". Nunca vi uma codorna, correndo por entre os canteiros. As poucas que vi, só na roça, nos anos 70. Na chácara, havia, em profusão, dado às lagoinhas, eram sapos, rãs e pererecas. Cobras, não!
No fundo do vale – falavam – um dia iria passar a "Avenida Itororó". É a 23 de Maio. Àquela época, formava-se enorme nevoeiro, um monstruoso (e lindo!) tapete de condensação, gotículas d'água que encobriam toda vegetação, as casas, o horizonte.
As ruas de Vila Mariana – eram alamedas -, orladas de imponentes tipuanas. De florezinhas amarelas e frutos que caíam (interminável exercitação da gravidade) como helicópteros, em movimentos circulares. Cubatão, José Antônio Coelho, Humberto I, Oscar Porto, Pelotas, Eça de Queiroz. Ainda restam algumas das centenárias tipuanas.
Já na Tangará, onde a Vila Mariana vai se transformando em Vila Clementino, havia daquelas belas árvores, cujo nome acho que é plátano, corrijam. Refiro-me a cuja folha é a mesma estampada na bela bandeira do Canadá. Quando acontecia de eu tomar o bondinho (carro aberto, pequeno) 47, tinha a chance de notar tais árvores. Frondosas que eram, à época, tais quais as tipuanas, deviam ter sido plantadas no começo do século passado. Pois, para a década de 1950, eram enormes… Muitos se lembram. O bonde 47, então em linha única, na Tangará, parava num "balão" adjacente à Sena Madureira. Ali perto onde é, hoje, porém do lado oposto, o Comando Naval. Se não me engano, no trecho também havia chácaras. Vieram os bondes camarões, mas aquele pedaço da linha, na Tangará, manteve-se igual. Virou saudade.
Já nas imediações do Parque Infantil do Ibirapuera (porém, território marianense), outro tipo de árvore (havia). No parquinho, com 5 anos, fui matriculado sob o número 1006. Quer dizer, antes de mim, 1005 paulistaninhos também tiveram a alegria de desfrutar daquele espaço mágico. Calçado? Alpargatas-Roda, solado de corda! O número 1006, bordado na camiseta, no calção e no saco (de pano) de pertences. O parque era todinho contornado por "cerca-viva", acho que alfeneiro, podado regularmente. Uma lindeza!
As árvores das ruas próximas (Tumiaru, Pirapora, Curitiba) eram dumas folhinhas bem pequeninas. Davam como "fruto" como que uma castanha. Que a molecada furava, com caco de vidro (escondido das professoras, para fazer um anel!). Que quebrava fácil. Algumas delas há por aí. No Jardim da Saúde, por exemplo. Creio que não plantam mais.
Um funcionário da Prefeitura, certa vez, disse-me ser tal árvore – quando lhe perguntei – um "alecrim". "Alecrim", esclarece o dicionário, é um arbusto odorífero. Concordam? Mas aquelas não são arbustos. São arvorezonas. Alguém do site domina o assunto? Queira esclarecer.
Pois outra rua orlada desse "alecrim" (que não deve ser alecrim) era a Neto de Araújo. Perto da estação dos bondes. Em frente à estação, a Praça Teodoro de Carvalho, cheia de tipuanas. Hoje, uma só (que deve se lembrar dos bondes…).
Eu, vez por outra, ia ao Cambuci. Lá por 1958. Passava na Neto de Araújo. Ônibus (CMTC) 109 – Lins de Vasconcelos. Saía da Praça Rodrigues de Abreu, em frente à igreja de Santa Generosa. Muitos chamavam a praça de "Largo do Guanabara". À frente, a Brahma, colossal, expelindo fumaça branca, aromática.
A linha 109 era curtíssima, com seus Twin-Coach. Domingos de Morais, Neto de Araújo, Avenida Lins e Largo do Cambuci. "Tudo" isso de percurso… Num dado tempo, os ônibus que iam e vinham pela Lins, no retorno, começaram a passar pela frente do Cemitério de Vila Mariana. Que dá a impressão de estar… na Aclimação! Lá é Vila Mariana, caros paulistanos?
E por mencionar a linda Aclimação – que tem quase que uma pequena floresta, incrustada noutra enorme floresta de prédios, por todos os lados – eu, quando moleque, vez ou outra passeava por lá.
Era minha oportunidade de andar de ônibus elétrico! Poderia até "parafrasear" Churchill: nunca tão poucos (eu e meu pai) se contentavam com tão pouco! Mas gostávamos. Zunindo e sibilando, os Westram da linha 16 saíam da João Mendes, em frente ao meritíssimo e portentoso Palácio da Justiça. E desciam uma Conselheiro Furtado estreita, de paralelepípedos.
As árvores paulistanas, com o passar do tempo, tinham que mudar. Vieram alfeneiros e sibipirunas. Muitas das tipuanas foram replantadas em praças e parques.
Hoje morando num sobradinho sem quintal, na Saúde, simbolicamente remeto ao tempo em que plantava e cultivava no meu quintalzão, às vezes ornamentado pelo orvalho. Tenho, à porta de casa, pequeno jardim de florezinhas para – não propriamente "atrair" – mas povoar, de borboletas e insetos coloridos. E uma árvore. Que plantei há dois anos. Árvore cujo nome o funcionário do viveiro municipal igualmente não soube informar (e não era o mesmo cara!).
Mas o bom é que esta árvore, que dá flores brancas, de curtíssima duração, esta árvore é um manancial de vida, como toda árvore. Às flores, vêm abelhas e – parece, não sei ainda – morceguinhos frutívoros. Difícil identificar.
Ela, a árvore, é um campo de pouso de passarinhos, montão deles. Eles vêm, pousando e decolando, sem parar, atrás de banana e mamão, que coloco em recipientes afixados nos galhos.
Finalmente: não tenho mais o quintal. Por outro lado, bem-vindos, ó sabiás, sanhaços, cambacitas, beija-flores e bem-te-vis! Borboletas e outras criaturinhas, da atual natureza paulistana, bem-vindas, afortunadamente, também!
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