Nunca fui muito admirador de “habituées” de bares. Mas conheci vários… “Habituées” e bares.<br><br>A questão é que o tal “habituée” se acha, de certa forma, um pouco "dono" do bar e como tal, possuidor de alguns privilégios dos quais não abre mão.<br><br>Tais como: o garçom tem obrigação de saber o que ele vai beber e comer sem que ele tenha que pedir (se tiver algum amigo do lado, então, aí é a "pose" é pra valer); a mesa precisa estar à disposição (missão impossível para os funcionários do bar); o "colarinho" do chope tem que ter uma dimensão especial e por aí afora.<br><br>Na verdade eu mesmo já me senti – confesso que "enrustidamente" orgulhoso – “habituée” de um bar. Era o que chamamos de "a esquina de casa". Para aonde ia toda minha família em decisões de última hora, sem nem passar pelo espelho para verificar como estávamos trajados. Um conforto, uma liberdade agradável num bar também agradável, simples e de bom gosto.<br><br>O local é o bairro de Perdizes e o bar – está lá até hoje – chama-se Krystal. Exatamente na Rua Cardoso de Almeida, na esquina com Rua Doutor Homem de Melo.<br><br>Pois bem, as famílias do bairro iam convivendo muito bem com a impressão de que todos eram “habituées” até o dia (na verdade era uma noite) em que iria se apresentar no Estádio do Pacaembu um dos "fab four", o tão esperado Paul McCartney.<br><br>Muitas famílias das redondezas desceram a pé para o estádio, levando filhos, filhas, vovôs, vovós em um único movimento feliz, parecido com o que seria uma procissão. Embalados pelo som dos Beatles – todos cantarolavam – e pela ansiedade em assistir ao tão esperado "show".<br><br>E dá-lhe Paul McCartney: emoção, algumas lágrimas e bastante alegria. Felizmente o "show" foi bem longo. Estendeu-se pela noite adentro.<br><br>Fim, bis, canta mais uma e lá fomos nós caminhando de volta para casa, serpenteando pelas ruas do Pacaembu para atingir as ladeiras das Perdizes.<br><br>Todos com fome: os papais e mamães, as crianças e os vovôs e vovós. Meio da semana, o comércio fechando cedo, mas um bar ainda resistia sonolento: o Krystal.<br><br>Em poucos minutos os pouquíssimos garçons que restavam no "boteco" recompuseram-se para receber uma verdadeira horda de famintos. O gerente do bar não sabia da existência do show e muito menos da vinda do "tal" do Paul “sabe-se-lá-das-quantas”.<br><br>A situação era a seguinte: as mesas acabaram e os ingredientes dos lanches estavam todos no finalzinho e cada um se achava o verdadeiro, único e "sagrado" “habituée”.<br><br>Resumo: as famílias tiveram que se dividir pelas mesas com outras pessoas, desconhecidas, o "cheeseburguer" começou a ser feito até de abobrinha. Chope nem pensar. Pão francês, raridade total, refrigerante, quente claro, serviu metade das pessoas. Um caos. Depois desse dia conscientizei-me de que ser habituée é uma lenda que sobrevive apenas em bares vazios. Em bares cheios, tem disso não!<br><br>A propósito: as famílias das Perdizes viram um "show" fantástico.<br><br><br>E-mail: [email protected]<br>