Passagens de Ano nos Velhos tempos do Braz

Lembro nos fins dos anos 40, começo de 50 na nossa velha Rua Caetano Pinto e Carneiro Leão as maneiras não muito próprias em que se comemoravam as passagens do ano.

Muitos guardavam pratos e louças velhas em geral, inclusive copos de vidro trincados para, ao chegar à meia noite, atirá-las no meio da rua para começar o ano com coisas novas. Eu achava aquilo uma aberração, pois tínhamos que conviver por muitos dias com todo aquele lixo perigoso esparramado pelas ruas do bairro. Esse era um dos costumes negativos dos velhos tempos.

Para mim, por exemplo, que tinha que dirigir por essas ruas nos dias seguintes, sofria na pele os efeitos dessa coisa sem graça com alguns pneus danificados, isso sem contar com os ferimentos nas crianças, que naquela época era comum andarem de pés descalços.

Mas eram bem diferentes as comemorações. Muitos iam para a Casper Libero assistir a saída e a chegada da São Silvestre, que era sempre efetuada no dia 31 e a chegada quase sempre coincidia com a chegada do ano. À meia noite todas as igrejas tocavam os sinos, e as sirenes do Laboratório Fontoura tocavam assim também como todos os apitos das fabricas do bairro saudavam o Ano Novo que acaba de chegar. E todos iam para as ruas comemorar abraçando-se e cantando o “Adeus Ano Velho – Feliz Ano Novo”.

Lembro também da turma que mais se divertia (o Fanfa, o Moche, o Curro, o Eufracio, o Zambrana, o Bráulio, o Teleco, etc.) que todos saiam fantasiados de mulher, isso já pelas tantas, e entrando pelos cortiços da rua com colheres imitando castanholas, pandeiros, chacoalho e aqueles pilões de bronze de amassar alho faziam um barulho infernal e acompanhados daqueles cantos em espanhol na porta das casas a espera de um tratamento: “No me quiere abrir lá puerta … Pa no dar me um mantecao … Tengo la barriga llena … de ….tortilla…. e bacalau…”. E continuavam com a cantoria até que a porta se abria e lá vinha uma “sambuca” ou um “aniz del mono”, ou um copo de vinho Jerez , ou qualquer coisa que contive-se álcool ,acompanhado de um mantecao – um bolinho feito com farinha, misturado com banha e outros ingredientes e depois assado no forno, muito comum para os espanhóis nas festas de fim de ano .

Dessa turma acredito todos já se foram com certeza, pois a diferença de idade entre nos era muito grande. O Curro voltou para a Espanha e morreu lá; o Teleco, irmão do Moche, morreu bem jovem assassinado com uma facada; o corintiano Eufrásio ficou paraplégico num acidente de caminhão; o Bráulio ficou muito rico no comércio de metais; o Zambrana o Moche e o Fanfa acredito que tenham falecido, pois tinham idade para serem meus pais.

Que saudades desses tempos de ouro que não voltam mais. Todo mundo se divertia saudavelmente. Não havia brigas e, mesmo alcoolizados, varavam a noite até o amanhecer a espera que a “churraria” da dona Dolores abrisse, para se refrescarem no café com churros.

Que pena que o tempo passou tão depressa para nós. Hoje só nos resta viver profundamente, um dia de cada vez, pois o futuro a Deus pertence.

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