Pai de primeira viagem

Quando ainda era solteiro, passeando minha "beleza" pelo centro paulistano, passando por uma loja de disco, coisa que tinha por todo lado, vi um cartaz de um cantor chamado Mauro Sergio. Esse cantor tinha participado de um festival com a música Farofa-fá.<br><br>Pensei. Esse é um bom nome para meu filho que um dia eu vou ter. Era solteiro ainda, mas já estava de namoro e muito firme com a moça que hoje é a primeira dama do "pedaço".<br><br>Mas teria que fazer uma ressalva. Em vez de Mauro, seria Mário Sergio. Isso quando a criança fosse uma verdade. Pelo menos a barriga da minha esposa mostrava que o filho, ou filha, estava a caminho. Entramos num acordo. Caso fosse menino eu poria o nome, e menina seria ela. Já estava com o nome dele na cabeça.<br><br>Naquele tempo não tinha esse negócio de saber o sexo da criança antes do nascimento, e ficava a expectativa do dia do nascimento. Muita gente já perguntava qual seria o nome da criança. Também qual a preferência do casal, menino ou menina. Para mim pouco importava. O que viesse estava bom. Para minha mulher aparentemente também, mas uma menina sempre é bem vinda para as mães. No meu trabalho todo mundo dava palpite. Na família também, tanto da minha parte como na parte da família dela. E sugestões tinham aos montes. Todas as sugestões eram bem vindas. A gente ria muito. Mas cada qual tinha seu nome preferido, e tanto eu como ela, ninguém queria saber qual era. Tinha que ser surpresa no dia do nascimento.<br><br>Numa segunda-feira, a bolsa estava já para estourar e a levei no hospital maternidade João Daut Oliveira (Avenida Brigadeiro Luiz Antonio), que eu julgava ser muito bom, e estava na vasta lista que o INPS fornecia (bons tempos aqueles).<br><br>Logo pela manhã, 8h30min, já estava eu e ela na sala do hospital esperando os procedimentos da papelada para ficar internada. Um jovem casal também lá estava. Eles estavam apreensivos, pois duas gravidezes anteriores da moça não tinham vingado. Era nascer e a criança morrer minutos depois.<br><br>Eu ia e voltava várias vezes e nada da criança nascer. Foi um vai e volta o dia inteiro. Eu tinha uma lambreta, e do Brooklin até a Brigadeiro não era nada para quem fazia esse trajeto de bicicleta vinte anos antes. Minha mulher me disse depois que ouvia o ronco do motor toda vez que eu lá ia.<br><br>Fui em definitivo às 20h30min. Quando uma enfermeira sobe as escadas com uma criança embrulhada numa toalha. Olhou para mim, e perguntou: Você é o pai? Com a resposta afirmativa, levantou a toalha mostrando o pinto do moleque. Pronto, já estava registrado extra- oficialmente o nome Mário Sergio Lopomo, dia 20 de julho de 1970, justamente um ano depois que o homem tinha pisado na lua.<br><br>Infelizmente aquele casal teve a decepção de ter mais uma criança que não vingou. Era um problema de sangue tipo A negativo, coisa assim.<br><br>Meu filho sempre com aqueles problemas normais de criança recém-nascida, chorando, que segundo línguas iam até os três meses de idade, me fazendo ir trabalhar com sono no dia seguinte. Mas valia a pena acordar de madrugada, para saber que um dia devo ter dado esse mesmo trabalho para minha mãe. De vez em quando aconteciam coisas que perduravam e não havia jeito de a criança parar de chorar, noite e dia, e com febre. Não tinha remédio que pusesse fim nessa coisa, isso já com um ano de idade ou mais.<br><br>Então vinha gente dizer: – Olha, isso é olho gordo. Leva para benzer.<br> <br>Minha mulher nunca gostou muito disso, mas eu ponderei. Desacreditar nessas coisas não é muito bom. Pelo sim pelo não é bom arriscar. Se não fizer bem, mal não vai fazer, pois aí vai da fé de cada um.<br><br>Fiquei sabendo que na Rua Quatá (Vila Olímpia) tinha um benzedor. Então fui falar com meu amigo Flavio Laranjo, morador daquela rua há muito tempo. Ele confirmou que era seu José quem benzia, e que todos que lá iam ficaram contentes.<br><br>Então fui lá e levei meu filho. Seu José deitou o menino na mesa, esticou as pernas dele e me mostrou que uma delas estava mais curta. Esticou a perna que ele julgava mais curta, passou um óleo, fez uma oração, correspondido por mim, e o menino voltou para casa já sem chorar. A febre não voltou mais e as noites foram sossegadas.<br><br>Com cinco anos por aí ele foi inscrito na EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) do Brooklin.<br><br>Um belo dia veio uma carta que ia ter um evento infantil no Anhembi. Era num sábado, mas como minha mulher não quis deixar de fazer a limpeza na casa, pediu para eu ir. E lá fui eu todo garboso. No ônibus que a prefeitura colocou à disposição dos pais, fui eu me encontrando com várias mães e pais, gente da minha época de juventude. O que mais se ouvia era: Quem diria hein, que um dia estivéssemos nessa parada?<br><br>Era algo diferente de coisas que havíamos feito anteriormente. Quando meu filho estava com sete anos, veio o período escolar. Como ele fazia sete anos em julho não aceitaram a inscrição na escola pública. Somente quem aniversariava até fevereiro era aceito para iniciar o ano letivo.<br><br>Então, para o menino não ficar um ano atrasado, minha mulher inscreveu ele na escola do SESI, que funcionava no prédio da igreja do Divino Salvador, Rua Casa do Ator, prédio que eu e os congregados Marianos ajudamos a construir com o padre Jeremias Arósio Pimi.<br><br>Tudo ia muito bem, até quando veio uma notificação de que ia ter uma reunião de pais e mestres da escola. Mais uma vez era num sábado, e mais uma vez a limpeza da casa me fez ir no lugar da minha mulher. Até aí tudo bem, era uma satisfação estar compartilhando com as ações do meu filho e ajudar ela quando dos afazeres.<br><br>Na reunião fiquei sabendo que era a eleição para a diretoria da associação dos pais e mestres. A diretora da escola, uma senhora alta, bonita e prepotente, falava de peito estufado e nariz empinado. Até aí nada de mais, era o jeitão dela. E por ser bonita estava perdoada. O auditório improvisado estava lotado de mães. Pais, somente eu e um outro cidadão.<br><br>A diretora iniciou dizendo que estávamos ali para escolher os novos dirigentes da associação, e que somente o cargo de tesoureiro era de exclusividade dos pais dos alunos, para evitar aquele papo de roubo, coisa e tal. Os demais cargos eram divididos entre pais e dirigentes da escola.<br><br>Mandou o atual secretário ler os estatutos que tinham mais ou menos dezesseis itens. Eu que sempre fui vidrado em estatutos, pois fazia os estatutos dos clubes e associações que estava vinculado, como o Grêmio Recreativo Flamengo da Vila Olímpia, que tinha o estatuto de minha autoria. Sendo assim, estava atento à leitura, que no artigo 12 dizia: É vedado a quem pertence à diretoria se reeleger.<br><br>Depois da leitura, a diretora disse que ela estava feliz por dirigir a escola, e que gostaria de continuar, e por isso queria o voto de confiança dos pais.<br><br>Levantei a mão, pedindo a palavra.<br><br>- Pois não, disse ela. Quem é o senhor?<br><br>- Sou Mário Lopomo!<br><br>- Pai de que aluno?<br><br>- Mário Sergio Lopomo, primeira série.<br><br>- O que o senhor quer falar?<br><br>- É o seguinte: o secretário leu o estatuto da associação, e no artigo nº 12 diz que quem já pertence à diretoria não pode se reeleger.<br><br>- Ô Lá, Lá, até que enfim apareceu alguém que prestou atenção na leitura do estatuto. Parabéns…! Só que o senhor não ouviu muito bem. Fernando, vai lá e lê novamente, só o artigo 12, por favor.<br><br>O rapaz foi lá e leu. É vedado a quem pertence à diretoria se reeleger, exceto o presidente.<br><br>Todos olhavam para trás num riso quase ensurdecedor. <br><br>Mais adiante foi a vez do tesoureiro, e ela disse que teve dificuldade com o que tinha sido eleito, pois ele nunca tinha tempo e dificultava o trabalho dela por não assinar os cheques. Então ele saiu, e no seu lugar ficou o segundo tesoureiro (no caso, uma mulher), que a presidente tinha total confiança e que era seu braço direito, e que devia continuar no cargo.<br><br>Levantei o braço novamente.<br><br>- Pois não, o que é agora?<br><br>- Agora é o seguinte. A senhora pode ser reeleita, pelo dispositivo que diz exceto a presidente. E agora, o que a senhora tem a me dizer?<br><br>Foi uma tremenda confusão. Um sábado de céu azul, de outono, todo mundo mais a fim de ir para casa do que ficar naquela chatice e um tremendo carne de pescoço enchendo o saco, era o que deviam todos estar pensando e bufando de raiva.<br><br>A coisa começou a ficar feia para meu lado, pois quando ela quis jogar o cargo nas minhas mãos disse a ela que não podia, pelo fato de não ter tempo e fazer o mesmo daquele que não assinava os cheques para ela. Quando eu estava ficando sem saber o que fazer devido às pessoas que se viravam contra mim, uma senhora que estava a meu lado, tipo senhora da sociedade, pediu a palavra.<br><br>- Olha, até agora não disse nada, mas esse moço tem toda razão. Tudo o que ele falou eu assino embaixo.<br><br>Pronto, a diretora ficou sem saber o que fazer. O "cristo" já tinha o seu manto.<br><br>Para terminar, a diretora, com cara de quem comeu sapo pensando que era rã, deu por encerrada a reunião, dizendo que ia levar a questão à diretoria do SESI para mudar os estatutos.<br><br>Quando cheguei em casa e minha mulher me perguntou como tinha sido a reunião e que lhe contei, quase ela teve um troço.<br><br>- Meus Deus. Como que eu não pensei nisso!! Mário, você não tem jeito, hein, deixa essas coisinhas pra lá.<br><br>Na segunda-feira ela foi levar o menino na escola, e antes de tocar o sino de entrada uma mãe perguntou a outra:<br><br>- Você veio à reunião sábado?<br><br>- Vim sim. Tinha um moço que arrumou uma tremenda confusão. Eu não entendi muito bem o motivo. Só sei que ela terminou em se resolver nada.<br><br>Minha mulher ao lado ficou quietinha, pois as pessoas não sabiam que o cara era marido dela.<br><br>e-mail do autor: [email protected]