A Rua Ouro Branco é uma rua sem saída, com apenas uma quadra, "travessa da Estados Unidos, entre a Pamplona e a Nove de Julho". A frase anterior está entre aspas porque eram as palavras de minha mãe ao motorista, sempre que tomávamos um táxi para casa. Agora, por causa dos vários edifícios e apart-hotéis, muitos taxistas já dispensam o esclarecimento. A rua foi aberta nos anos 30, por ocasião do arruamento daquela parte do Jardim Paulista. Chamava-se, inicialmente, Rua Conde André Matarazzo, pois se localiza em terreno que pertencera à famosa família.
Quando meu pai e meus avós mudaram-se para a Ouro Branco, em 1960, só havia casas de muros baixos. Era assim ainda quando nasci, em 1967. Todo ano os moradores organizavam uma festa de Natal, com mesa montada no final da rua – em frente à casa na qual morava a então conhecida artista Laila Curi – e um dos vizinhos vestido de Papai Noel. Acho que naquele tempo ele existia mesmo! Ao lado de minha casa funcionava a Leiteria Itahyê, que vendia e distribuía leite fresco para toda a cidade. Uma distribuidora de leite no Jardim Paulista! Por volta do final dos anos 1960, instalou-se no lugar a loja 10 do Supermercado Pão de Açúcar, com entrada pela Rua Pamplona. Começou aí o suplício dos moradores da Ouro Branco, pois nossa rua passou a servir de acesso para carga e descarga de caminhões.
A Ouro Branco termina em uma travessa para pedestres, além da qual havia um grande arvoredo – o bosque do Colégio Assunção. No início dos anos 1970 a área foi vendida para a construção do primeiro Hipermercado Eldorado da cidade, onde hoje funciona um Carrefour. Muito católicos, os “Veríssimo”, mantiveram no fundo do terreno uma gruta com a imagem de Nossa Senhora, cercada por um arvoredo. Em uma das reformas, a gruta com a imagem foi trazida para a parte da frente e ainda está ali, vigiando o estacionamento. A mesma sorte não tiveram as árvores.
Com a inauguração do Eldorado, o movimento da rua aumentou. Muitos motoristas passaram a entrar na Ouro Branco, pensando que ela dá acesso ao estacionamento. Em compensação, o Pão de Açúcar logo fechou suas portas. Fim dos caminhões. Nessa época já não se faziam as festas de Natal, mas ainda era possível brincar e andar de bicicleta na rua, sem preocupações. E como brincávamos! A rua era espaço de convivência para crianças de qualquer condição. Eram meus amigos crianças (depois adolescentes) de sobrenome “quatrocentão” e também filhos de funcionários de edifícios da Rua Pamplona. Em todos aqueles anos, nunca tive notícia de nenhum crime.
Figura memorável era o Professor Alceu Taffari, que saía em sua Caravan amarela para dar aulas de Português no Colégio Dante Alighieri. Ou ia a pé várias vezes por dia ao Eldorado, acompanhado de seu cão de três pernas, chamado Bob. Eis que no início dos anos 1980 a especulação imobiliária chegou à Ouro Branco. Uma a uma, ou em lotes, as casas foram sendo vendidas para dar lugar a edifícios. Os vizinhos dispersaram-se. Quem entra hoje na Ouro Branco encontra apenas mais uma rua saturada de apartamentos. As quatro ou cinco casas restantes são escritórios, comércios, ou estão abandonadas. No lugar da leiteria, depois Pão de Açúcar, há um luxuoso edifício residencial com entrada pela Rua Pamplona. Pelo lado da Ouro Branco, apenas um muro alto com cerca eletrificada e arame farpado. No lugar de nossa casa há um edifício menor, que leva o nome da rua e ainda recebe a sombra da acácia sob a qual brincávamos.
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