Os gladiadores

Estádio do Morumbi lotado. Gente de todas as classes sociais lotando todas as dependências do estádio. Muitos jogadores de futebol estão nas arquibancadas e nas numeradas para assistirem ao "grand finale" das torcidas organizadas.

Em campo, de um lado, a Gaviões da Fiel, e do outro a Torcida Independente. É muita gente pisando o gramado e o combate promete ser violento como todos gostam.

A luta está para começar e os gladiadores se encaram na linha divisória do gramado. Os olhares vão ficando vidrados e cheios de ódio, muito ódio. Alguns até enxergam amigos do outro lado da linha, mas nessa hora estão usando a camisa errada.

Não há juiz, será um combate em que vale tudo. O início é dado pelo serviço de alto-falante do estádio: "Podem iniciar o combate". Na arena há homens e mulheres, e em minha opinião não há nada mais degradante do que ver mulheres violentas, mas…

As pessoas se atracam, pedaços de paus sobem e descem, os primeiros combatentes começam a cair e a platéia muda apenas vê o combate. Ninguém torce por ninguém; até parece que todos torcem para que todos percam. Aos poucos o gramado vai ficando tingido de vermelho e já há muitos corpos estirados no chão. A polícia faz um cerco para que outro grupo não entre ainda no gramado.

Lá dentro eram tantos dos dois lados e agora somente os mais fortes ainda estão de pé. Somados ainda são numerosos, mas estão cansados e resolvem se unir para receber a turma da Mancha Verde, que entra furiosa, gritando palavras de ódio, e o combate se reinicia com o silêncio cortante do público. Ninguém parece acreditar no que está vendo e mais paus, barras de ferros são levantados e vão atingindo cabeças dos inimigos. Há um amontoado de corpos no chão, num colorido de camisetas das associações e de sangue.

Talvez não reste mais do que um minuto de combate. Há apenas três homens em pé, são exatamente os líderes de cada torcida que sabem incitar, mas não sabem lutar. Estão limpos e no centro do gramado eles se encontram e esboçam uma atitude de paz. Nesta hora toda a platéia se levanta e, esticando o braço direito, aponta o polegar para baixo. Não há outro jeito, um mata o outro.

A luta termina com milhares de corpos amontoados. O público começa a sair em silêncio, sem comemoração de qualquer espécie. Cabisbaixos e mudos, carregam no peito uma única certeza: a de que a partir de agora poderão ir com seus filhos assistir a uma partida de futebol em segurança.

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