Domingo de manhã e a velha garoa paulistana caía fria e mansamente. Dirigi-me à Estação Julio Prestes para tomar o trem de subúrbio para Osasco. Era o compromisso inadiável e ansiosamente esperado de todos os domingos. Lá morava minha namorada, e com chuva ou sol, frio ou calor, o prazer e o desejo de revê-la superava todos os obstáculos.
Naquele dia, o vagão onde me instalei estava tranqüilo, com poucas pessoas. Notei que um dos bancos era ocupado por um rapaz que empunhava um cavaquinho, acompanhado por duas jovens e mais dois amigos. Acreditem: assim que o trem partiu, o som daquele pequeno instrumento inundou o ambiente. Um silêncio respeitoso se fez e todos ali se deleitavam com aquele som fantástico. Sorrisos e deslumbramento.
Solou alguns choros clássicos, como Delicado, Flor amorosa, Pedacinhos do céu, Bem-te-vi atrevido e outras preciosidades que não consegui identificar. Espantoso! O rapaz era um verdadeiro virtuose e tocava com absoluta facilidade, segurança e descontração, marca dos grandes intérpretes.
O grupo desceu numa das estações que antecedem Osasco. Não sei quais os caminhos que o destino reservou para aquele jovem: se gravou discos, se ficou famoso ou permaneceu no anonimato por falta de oportunidades para exibir sua arte, ocorrência freqüente em nosso país.
De uma coisa estou certo: cinqüenta anos já se passaram desde aquela manhã cinzenta e chuvosa, e já nem me lembro do nome da antiga namorada, de seu endereço ou de seu perfume, mas o som daquele cavaquinho até hoje permanece em minha lembrança.
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