O mendigo e o cobertor…

"Airton, quem é aquele sujeito, se pode ser chamado de sujeito, que você acaba de cumprimentar e não ter resposta”, perguntaria uns dias desses o meu colega de trabalho Alencar, companheiro de luta em um escritório imobiliário sito na Rua Conselheiro Crispiniano; sentados que estávamos em um banco no início da Ladeira da Memória, aproveitando a hora de almoço tendo ao longe a vista do agitado e outrora bucólico Vale do Anhangabaú.

"Alencar, como você está vendo, é um autêntico mendigo como muitos que andam sem destino pela cidade e esse cobertor que ele carrega no ombro para se abrigar curiosamente foi dado por mim quando esta criatura perambulava na Voluntários da Pátria, aliás, bairro de nossa origem. Tanto ele como eu morávamos na mesma rua, a carismática Rua Gabriel Piza, em Santana, de infinitas recordações. Dei a ele, Alencar, esse cobertor, pois a temperatura naquele mês de junho estava rigorosa, o frio reinante era de amargar. O cobertor, Alencar, encontra-se desgastado pelo uso indiscriminado e não está servindo nem para abrigar animais”.

"Outro dia, amigo Alencar, vale frisar, eu caminhava pela Rua Sete de Abril em direção a Praça da República, quase esquina com a Avenida Ipiranga. Encontrei essa mesma pessoa caída é não é que um cão lambia a sua testa? Ele continuadamente o enxotava, que persistia em latir, perceberia então que demonstrava estar chorando, ou algo parecido, lamentando o seu destino e para piorar umas pulgas o perturbavam. O quadro era deprimente, no momento, daria um apoio moral e material dando uns trocados para tentar saciar momentaneamente a sua fome, se é que existia fome."

José deve ser o seu nome ou talvez João, faz tanto tempo que eu o conheço e por incrível até esqueci o seu nome e perguntado algum assunto ele responderia com palavras e gestos sem nexo, seu diálogo confundiam as pessoas. Sabe Alencar, que o mesmo nem pedia algo para comer, creio eu que já estava se acostumando com este modo de vida, estava frágil essa pessoa e não acredito até hoje como esse sujeito chegou neste estado, pois em um passado recente era ele muito importante, tinha prestigio, vivia cercado por belas mulheres, agora todos evitam chegar junto a ele, fogem e não foi falta de nosso apoio; não sei os motivos que o transformaram em um farrapo humano, a degradação; eu pergunto aos meus botões: será que ninguém imaginou que ele foi gente decente e estaria precisando de muito amor…

Em forma de poesia termino:

O mendigo e o cobertor, dilema antigo
Andarilho, maltrapilho, que horror!
Pede um carinho, um abraço amigo
Assistência outrora esquecida, negada
Agora é problema, espinhos e desamor,

O mendigo e o cobertor…

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