O burro que passou no vestibular

Todo garoto não gosta muito de estudar e, quando eu era moleque, também não era muito diferente da molecada de hoje. Para nos incentivar nos estudos, meu pai costumava contar a seguinte história:

Bem antigamente, ali no alto do morro do Nicola, que fica na Vila Francci, uma antiga fazenda pertencente ao Distrito de Ermelino Matarazzo, Zona Leste de nossa capital, erguia-se um enorme casarão abandonado, que era o antigo Colégio Nicola Francci. Era uma escola particular, mas ali eram oferecidas várias bolsas de estudos para as crianças da comunidade que pretendiam fazer o ginásio no concorrido colégio.

Hoje em dia a vida da criançada na escola é moleza, não sei por que eles reclamam tanto, praticamente passa-se direto de uma série para a outra, mas naquela época não era assim, quando se terminava o primário, o aluno que pretendia continuar os estudos e fazer o ginásio tinha que fazer a Admissão, para quem nunca ouviu falar, a Admissão era como um mini-vestibular. O aluno tinha que fazer um provão para mostrar que estava apto a continuar os estudos, e era justamente nessa situação que se encontrava o Juarez, personagem principal desta história. O Juarez era filho do Sr. Sebastião, um homem bastante conhecido ali do pedaço; comerciante, entregava carvão para todo o bairro com sua carrocinha puxada por um burrico. E ele – o Juarez – acabara de concluir o primário e estava se preparando para, junto com o exame de admissão, concorrer a uma bolsa de estudos integral no disputado colégio Nicola Francci.

Mas só que o Juarez já não era tão criancinha assim, ele começara tarde os estudos, estava com quinze anos quando terminou o primário. O Sr. Sebastião era um homem esforçado e trabalhador, mas o Juarez, infelizmente, não correspondia às expectativas do pai. Preguiçoso e fanfarrão, ele não gostava muito de estudar, passava o dia todo de papos para o ar. Chegou o dia do exame e lá vai o Juarez, lápis e caneta na mão, prestar o seu vestibular. Após a prova voltou quieto e cabisbaixo para casa, desiludindo o pai, dizendo que a prova não fora fácil e que certamente ele não teria chance alguma de ter conseguido passar.

Os dias foram passando, o Juarez não falava nada sobre o resultado da prova e o pai também não perguntava nada para não chatear o garoto. Quando um belo dia, após um mês que o Juarez havia feito o exame, bateu na porta do Sr, Sebastião o inspetor de alunos da escola, perguntando por “um tal de Venâncio do Amaral”, que morava naquele endereço. Ele havia prestado o vestibular e passado entre os cinco melhores lugares do concurso, mas até o momento não aparecera na escola. O pai do Juarez ficou surpreso, pois “Venâncio” do Amaral era o nome de seu burro que puxava a carrocinha de carvão! Chamou o filho e exigindo explicações. O Juarez confessou que se sentia mal preparado para a prova e que, segundo as normas da escola, quem repetisse no exame só poderia prestar outro após um ano e meio.

Então ele colocou o nome do burro no lugar do seu em sua prova, mas para surpresa de todos, inclusive a dele, havia passado em quinto lugar. Naquela época não tinha moleza, o Juarez perdeu o ano e a vaga na escola. E para lhe dar um castigo, seu pai combinou com o Diretor da escola o seguinte: Durante um ano o “Venâncio” – o burro – ficaria em tempo integral pastando e regozijando-se no quintal da escola, que era muito grande e possuía uma enorme área verde que a partir daquele momento estaria à disposição do “Venâncio”. E o Juarez, para aprender a não mentir nunca mais e ter mais confiança em si mesmo, faria as vezes do burro, puxando a carrocinha de carvão para cima e para baixo enquanto seu pai fazia as entregas, abastecendo a população do bairro. E cada vez que o Juarez passava em frente a escola, o burro zurrava parecendo zombar da situação do menino. É como diz o ditado: "cada um carrega aquilo que consegue conquistar!"