O Doutor Legardeth Consolmagno, renomado médico oftalmologista do município de Piracicaba, durante a década de 1960, vinha a São Paulo todas as semanas para ministrar aulas na Santa Casa de Misericórdia. Sendo membro da Associação Paulista de Medicina, costumava também, visitar o Hospital do Servidor Público Estadual. Tendo ojeriza ao trânsito da capital, jamais vinha de carro, valendo-se do transporte coletivo. Apreciava sobretudo os bondes, o qual considerava seguro e higiênico, por não soltar fumaça.
A parada do bonde próxima ao HSPE localizava-se onde hoje é a esquina da Rua Pedro de Toledo com a Av. Ibirapuera, pertencia à linha Santo Amaro – Centro, e era muito interessante: contava com uma plataforma de madeira coberta, um escritório e sanitários, parecendo uma estação ferroviária. Uma frondosa seringueira sombreava parte da parada. Era razoavelmente confortável e segura.
Certa vez, em meados de 1969, ao retornar de uma de suas visitas ao Hospital do Servidor, o Dr. Legardeth aguardava o bonde na dita parada, que para sua alegria, estava totalmente vazia. Após dez bons minutos de espera, sua alegria deu lugar à impaciência e, dirigindo-se a um senhor uniformizado, de formidáveis bigodes e ar lusitano que varria a plataforma, quebrando o silêncio da estação, num "rasp – rasp" ritimado e monótono, perguntou:
– “O senhor poderia dizer-me se já faz tempo que passou o último bonde?”
O varredor cofiou os bigodes, como a recordar-se de algo remoto e, apoiando-se na vassoura, pensativo, respondeu:
-“ ‘Taim um tempinho já, sim ‘sinhoire’”!
Agradecendo a informação, o Dr. Legardeth voltou ao seu lugar muito feliz, na esperança de que o próximo bonde, então, não deveria tardar. Mas tardou. Quase quarenta minutos depois, já em desespero, apelou novamente ao varredor:
– “Perdoe-me, amigo, mas o senhor disse que o último bonde havia passado já há algum tempo. Quanto tempo faz que ele passou?”
– “Pois olhe que isto já faz um ano e ‘maio’, mais ou menos, sim ‘sinhoire’”!
O último bonde de São Paulo fez sua derradeira viagem em março de 1968, para tristeza de muitos.
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