Resolvemos sair à procura de saudades. Fomos ao Cambuci. O bairro onde nasci e vivi uma grande parte da minha história. Ali aprendi muito. Tive as minhas primeiras lições, aprendi com a cartilha Caminho Suave, as primeiras contas e os primeiros grandes mestres da minha vida. Impossível deixar esse bairro central fora das minhas emoções. Ele ainda guarda algumas ruas com ares da década de sessenta.
Da janela do nosso apartamento da Avenida Lacerda Franco enxergávamos as torres da catedral. Eu olhava para elas com muita frequência, sobretudo na época da campanha pelas Diretas-já. A Sé, fervilhante, mostrava o rosto de uma sociedade esperançada, depois de tantas dores no corpo e na alma. A Praça da Sé tinha a cara da cidadania, da busca do Estado de Direito, das vontades que afloravam nos nossos rostos, muitos ainda tão ingênuos, outros mais experimentados, outros sofridos, outros com fome de pão e de beleza… mas eram rostos.
Da janela do nosso apartamento era possível se respirar a cidade, até porque se via a fumaça da antiga fábrica da Brahma, com aquele cheiro característico, mas, ao mesmo tempo, era próximo do parque da Aclimação. O Cambuci tem alma doce, histórias de imigrantes, tem o doce do Shiguero, tem o colégio Nossa Senhora da Glória, tinha a fábrica de Chapéus Ramenzoni.
Então fomos vivenciar saudades. Deixamos o carro numa travessa da Avenida Lins de Vasconcelos e fomos caminhando pela minha antiga rua, a Albuquerque Maranhão. Andar devagar é uma das experiências mais interessantes que se pode ter. A gente vê as casas, até enxerga os antigos moradores, as pessoas que passavam, algumas falas e brincadeiras.
Comprei muitos doces na loja do Shiguero, o japonês simpático que está no mesmo local há mais de trinta anos. Foi trabalhoso convencê-lo a deixar que eu tirasse uma foto. Lá fui eu com a minha cantilena: eu comprava doces aqui há algumas décadas, a maria-mole, o doce de batata-roxa, o doce de abóbora… deixa eu levar uma foto tua. Depois de muitos apelos e interferência a meu favor por parte de alguns frequeses, o Shiguero deixou-se fotografar, simpaticamente risonho, e está aqui, quietinho e de cabelos brancos, no meu computador.
Na Lacerda Franco, enquanto escondidos da chuva debaixo de uma árvore, passou um caminhão anunciando uvas diretamente do Rio Grande do Sul. Comprei, é claro. Comprar frutas sendo anunciadas em caminhão é muito charme.
O bairro estava quieto, conivente com a nossa vontade de prestar atenção em todas as coisas. Foi a melhor maneira de nos receber, nos abraçar e nos respeitar.
Caminhar pelas ruas do Cambuci é estar em paz com a memória, é manter vivo um saudosismo sem dor, mas com orgulho de ser paulistana e mantendo a alegria em reinventar a história.
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