Minha infância se passou na Vila do Bosque, no bairro da Saúde, na casa 61 da Rua Almirante Filipe Rodrigues Chavez, onde, até os anos 70, tudo era muito parecido com uma cidadezinha do interior, com suas casas térreas, com quintal na frente e ruas de terra. Muito diferente dos dias de hoje, onde não há mais espaço com tantos prédios e condomínios. Foi lá que se passou a estória que vou contar, e pensar que lá se vão quase trinta anos…
Época de Natal, meus avós, já bem velhinhos, não "apitavam" muita coisa, e quem decidia tudo eram minhas tias e minha mãe. O que fazer neste Natal? Pernil, peru, maionese, arroz com passas, crôstolis, cuscus, batatinhas, rabanadas.
O pequeno pinheiro natural já fora comprado no final de novembro, na feira de domingo da Rua Itapiru, e devidamente alojado numa lata de tinta decorada com papel de presente comprado nas lojas Donke. As parcas bolinhas de vidro, sobreviventes de outros anos, decoravam nossa árvore ao lado de chumaços de algodão, que fazia o papel da neve, e um Papai Noel de plástico, além do presépio, é claro.
No auge dos meus 10 anos de idade, eu adorava toda essa agitação em casa. Sim, nessa época eu, meus pais e minha recém-nascida irmã morávamos na casa dos avós. E isso significava que todos os parentes iriam passar a data reunidos lá em casa, os primos, os agregados e os penetras, gostasse você ou não.
A confusão começava na arrecadação do dinheiro para a compra dos quitutes. Os que tinham mais dinheiro eram sempre os que mais exigiam e menos colaboravam. E sobrava para quem? Sempre pra minha mãe, que apesar de pertencer ao lado mais fraco financeiramente, era aquela que adorava agradar a todos e sempre dava um jeito de contornar a situação com maestria.
O próximo passo era ir ao melhor mercado do bairro na época, o "Morita", que ficava na Rua Carneiro da Cunha, levar a lista de compras e os cascos de refrigerantes e cervejas. Nessa época ele era um verdadeiro santuário para as crianças, mas, se comparado aos hipermercados de hoje, era infinitamente menor e sem graça.
Na véspera do grande dia, logo pela manhã, aquele cheirinho inconfundível, que só uma mesa de Natal pode ter, invadia as casas da vizinhança. Como demoraria para chegar a noite, o jeito era calçar o Kichute, ir jogar bola na rua e torcer pro dia passar rápido. Não, ninguém esperava o Papai Noel. Nossos presentes eram distribuídos no começo de dezembro, logo após meu pai comprá-los, geralmente no Mappin da Praça Ramos, o "Mappão". Ele até que tentava escondê-los, mas nós vasculhávamos tanto aquela casa que acabávamos descobrindo e acabando com a surpresa.
De repente, um carro para em frente ao portão. Era meu tio que nunca participava de nossas festas, mas sempre trazia uma caixa de bombons de cereja da Pam para minha vó, e junto, uma piadinha sem graça e o bafo de pinga. Nem preciso dizer que eu, minha irmã e minhas primas aguardávamos ansiosos para que ele fosse embora pra gente poder dividir aquelas delícias que só comíamos no Natal.
No final da tarde, a "confusão" já estava estabelecida. Mesa posta no quintal, meu avô xingando e reclamando de tudo, minha avó quieta num canto, minha mãe já descabelada de tanto trabalhar e a italianada louca pra começar a jantar. A essa altura, nossa cara feia por ver que os agregados tinham trazido outros convidados já tinha se desfeito ao ver que os mesmos tinham trazido uma "copa" e um presunto inteirinhos!! – Até que eles foram legais, pensei.
Já próximo da meia-noite, começava a rodada de Tômbola, uma espécie de bingo. Nesse momento chegavam os vizinhos da vila para também participar da jogatina. – Um cruzeiro a cartela! Já casaram o dinheiro aqui? – perguntava meu pai. Minha avó separava os feijões para "marcar" a cartela, e, a cada número retirado do saco, as reações eram diversas. – Bôôôôuuuaaaa!! – repetia meu tio… Ccinquina!! – gritava o feliz ganhador de parte do dinheiro! – Bati aqui!! – Mexe o saco direito, catzo!!!
E assim se passava mais um Natal em nossas vidas, sem poder imaginar que tudo aquilo que achávamos que seria para sempre, na verdade, iria fazer parte apenas dessa época maravilhosa chamada INFÂNCIA!
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