Esse é o titulo de uma música gravada por Jorge Veiga (o caricaturista do samba) nos anos 1950 em que a letra é assim: mulheres, cheguei, estou aqui o que é que há? Trago dinheiro para vocês todas, pode pedir que o papaizinho dá. Mil cruzeiros pra Lili, e dois mil pra Izabel, aqui estou o mão aberta, nasci para ser coronel. Pra você linda Dolores, mil pelegas de quinhentos, Pra você Maria Helena, dou-lhe meu apartamento, Tudo isso é cascata, e o sonho acabou. Seu Manoel abriu falência, mulheres eu já me vou.<br>Talvez influenciado por essa letra do samba, surgiu na Vila Olímpia uma onda de verdadeiros Dons Juans. Mas, para onde o mulherio se inclinava era para Antonio e seu irmão José, também chamado na roda dos engraçadinhos de Mê Tonho e Mê Zé. Ou então Marta Rocha, pelo fato de os dois terem pernas Roliças, lisas e, lindas de morrer, segundo seus colegas futebolistas na hora de se trocar no vestiário do Flamengo da Vila Olímpia. Uma coisa tem que ser dita. Nenhum dos dois era gay.<br>Pelo contrário, eram mulherengos pra chuchu. Eu andava sempre com o Antonio. Todos pensavam que éramos irmãos. Tínhamos nossa programação. Domingo pela manhã, missa, éramos congregados Marianos na igreja do Divino Salvador, Rua casa do Ator. À tarde defendíamos o Flamengo da Vila Olímpia e a noite íamos ao Cinema (cine Radar) na sessão das oito. Às 22 horas era só zoeira, e no caminho algumas minas sobras do domingo.<br>Segunda feira, bilhar no bar do Valdemar. Terça, pegar meninas no Jardim Paulista. Quarta, futebol no Pacaembu. Quando jogava a Portuguesa de Desportos, Tonho financiava o ingresso para mim, para não ir sozinho. Quinta, catar mulher na Avenida Santo Amaro, perto da Endoquímica, esquina com a Afonso Brás. Sexta uma Chegada no centro da cidade. Ruas Timbiras, Aurora, Dos Andradas e algumas outras que formavam o quadrilátero do pecado. Sábado, bailes mela cueca, onde a gente levava pinga, Run Merino, e Crusch, para fazer Cuba Livre e Hi-fi. Cada sábado na casa de alguma mina, sempre com a autorização dos pais. Tinha dois pais que disputavam o nosso bailinho, porque eles gostavam de encher a cara. Sabe, tudo que é de graça torna-se bem vindo.<br>Certo dia, fomos à casa do Mário Moraes, um comentarista esportivo, o cara tava pra lá de Bagdá. Era já a época da Jovem Guarda, festa que foi abrilhantada pelo conjunto que fazia parte o vilaolimpiano Lauro Parolo, que na véspera dos shows era visto com bobs no cabelo para que ficasse encaracolado.<br>Andar com o Tonho era legal, pelo fato de ele ser bonito, era a garantia de boas mulheres. Como as moças geralmente andavam em duas, sempre sobrava uma, e essa sobra era minha, pois não havia concorrência ao lado. É bem verdade que a mais bonita e boa era a dele. Mas, a sobra também não era de se jogar fora, e eu pegava com as duas mãos.<br>Um dia fomos jogar bilhar na Vila Mariana. Correu um papo que na Praça da Árvore tinha sido inaugurado um bote com três mesas de bilhar. Feltro novo. Pedra Mármore sem furinhos, caçapa boca mole, uma beleza, as bolas corriam mais que o Zatopék.<br>Chegando na porta do boteco, surgem duas minas, tremendos violões (aviões hoje). Que bilhar que nada. Afinal o mundo não vai acabar amanhã. Fomos que nem loucos pra cima delas, que deviam estar sem nada para o momento, já que foram bastante receptivas conosco.<br>Porém, ocorreu um fato estranho até então. Quem foi para o lado da mais bonita e boa fui eu. E não é que me dei bem! Pela cara de Tonho, ele não gostou nada. Depois que viemos embora ele queria por toda força saber algo sobre ela, telefone e coisa e tal. Também não disse a ele que ela perguntou dele.<br>Eu e a batota não queríamos coisas para muito tempo, afinal tinha mais mulher do que homem dando sopa. Namorar para que? O negócio era colecionar minas. Portanto não havia ciúmes de nossa parte. Quando estourava o tempo de carência a gente dava a ficha e ia um tímido qualquer e se apossava, às vezes até casava com a fulana, já grávida.<br>Mas tinha os que, mesmo antes de se sentirem oficializados com a namorada, já nutriam um ciúme desgraçado. Era o caso do Leiteiro. Antonio, seu nome. Seu apelido, porque seu pai tinha vacas e vendia o leite para a vizinhança, e ele era o entregador.<br>Leiteiro era vizinho de Heleninha e cresceram juntos, sempre brincando e indo a escola juntos. Depois de já na fase adulta começaram a namorar.<br>Só que havia uma disparidade entre ambos. Heleninha era filha de classe media, e Leiteiro um Zé ninguém. Mas diziam já na época que no amor o coração era cego.<br>Os pais dela já achavam que amor de cabana era muito bom para os poetas, e não gostavam nada daquele namoro. Mas ela era tinhosa e foi em frente. “Eu amo o Toninho”, como ela o chamava. Heleninha era uma moça muito bonita, tanto física como fisionomicamente. O Leiteiro era, assim, como dizer… um tipo casca grossa. Mas de braço com ela estufava o peito, empinava o nariz, parecia um biscatão.<br>Alguma coisa me dizia que havia uma armação por trás da mortadela. Mas mesmo assim seu Fernandes, futuro sogro dele, resolveu comprar um caminhão para ele trabalhar e ser algo mais condizente com sua filha. Já que ele dirigia o caminhãozinho Chevrolet gigante, ano 1951, do seu pai.<br>Mas quem tem tendência a vagabundo sempre está mais no boteco do que no trampo.<br>Leiteiro era aquele cara que não estava nem aí. Mesmo adorando sua namorada dava umas pisadas de bola. As fofoqueiras chegavam aos ouvidos dela sussurrando.<br>Mas um dia ele foi além da conta. Estávamos no ponto do 152-Vila Olímpia e ele nos perguntou aonde íamos. Vamos molhar o pescoço na Boca do Lixo, foi a resposta. Bem, tô de folga hoje, não custa nada gastar uma graninha com coisa boa.<br>Nisso ele tinha razão. O 69 da Rua dos Andradas, sexto andar, só tinha filé. Afinal, dona Carmem, que também era um filezão (mas tinha dono), cuidava bem de suas contratadas.<br>Foi o pontapé que faltava para ele levar no traseiro. Acho que alguém ouviu a conversa e contou para Heleninha. Naquele início de anos 1960 quem ia na zona estava indo também para o quinto dos infernos. Mesmo porque, a carolagem era muito forte.<br>Quando ele foi despachado, fez de tudo para voltar, mas ela era muito firme em seus propósitos, e não queria cair na boca do povo, mais do que ela já estava, por parte das que tinham inveja e dor de cotovelo.<br>Leiteiro passou a encher a cara, principalmente porque Heleninha não era de ficar sem homem por muito tempo, e foi vista na companhia de outro. Aí ele sempre estava com a cara cheia, e o cotovelo inchado. E coisas saíam de sua boca mole. Eu fiz isso e mais aquilo com ela… Quer saber? Amassei o Bombril!<br>O rapaz com quem Heleninha estava enrrabichada não era conhecido na Vila, mas tinha um defeito, e era um diferente do de leiteiro. Ele tinha a cabeça inclinada para a direita. Logo correu o papo na praça. Heleninha esta namorando com um galo do pescoço torto.<br>E com ele que ela foi em frente. Um belo dia, Galo do Pescoço Torto estava no alpendre do altar, e Heleninha entrava de braço com seu pai pela porta da igreja… Sob os acordes da Marcha Nupcial. Depois da solenidade religiosa, teve um festão na Rua Arandú, Brooklin Novo.<br>Leiteiro estava na rua em frente à casa, mas não teve coragem de ver sua ex vestida de noiva. Mas quem arrumou uma tremenda confusão foi Paulo Rotta, o chamado desmancha prazer do bairro, e exibicionista. Queria entrar montado num cavalo na igreja. Já todos chumbados, foi um palavrório pesado para todo lado. E leiteiro, muito amigo de Paulo, aproveitou para deitar o braço em quem via pela frente, jogando pra fora toda a raiva embutida na junta do cotovelo.<br>Mas casamento era coisa de trouxa, o negócio era rosetar. Casar não é papo pra mim, dizia uma música da jovem guarda.<br><br>e-mail do autor: [email protected]