Os microônibus, que hoje infestam as ruas de São Paulo, como sabemos, surgiram a partir dos anos 80. Aliás, ressurgiram. Porque os primeiros, mesmo, são de 1958: meio século atrás!
Têm uma qualidade: ágeis no trânsito. E só. Transportam pouca gente – se comparados aos ônibus convencionais. Alguns modelos pecam pela falta de segurança. Contrariam a própria Física, que garante: "dois corpos não ocupam o mesmo lugar do espaço ao mesmo tempo". Nos micros, de hoje, ocupam, de sobra!
A CMTC trouxe os primeiros micros lá do Rio de Janeiro, onde eram denominados de "lotação". Corriam muito. Protagonizavam muitos acidentes nos anos 50. As "caricaturas" (como se falava), excelentes, de Carlos Estêvão, no saudoso "O Cruzeiro" (lembram?), ilustravam-no com muita propriedade – seriedade e humor, ao mesmo tempo. Eram onibuzinhos montados num caminhão Mercedes-Benz. A carroceria era feita por vários fabricantes cariocas. Havia até umas, interessantes, todas de madeira, trabalho "artesanal" de carpintaria. Micro – "lotação" – do Rio era sinônimo de velocidade.
"Lotação", em São Paulo, de que eu me lembre, eram automóveis. Uns "táxis" maiores. Levavam uns 7 passageiros. Dodge, De Soto, pesadões, de cor preta. Não usavam taxímetro. Faziam "linhas", como ônibus. Cobravam tarifa única, por trajeto. Nos anos 60, havia ainda ponto de lotações, por exemplo, na Praça da Sé. Alguém se recorda?
E falando de táxi – quem é que não precisa deles, não é? – uma curiosidade, que não conheci pessoalmente: uma nota dizia que a então importadora Brasmotor, no Ipiranga, estava montando carros americanos Plymouth para o serviço de táxis da Capital. Tinham, abaixo das janelas, como que um "xadrez", isto é, uma faixa horizontal de quadradinhos pretos. Idêntico aos que sempre a gente vê nos filmes, mostrando táxis de Nova York dos anos entre 1940 a 1960. A foto do jornal é em branco e preto, mas tudo indica que o carro era amarelo, tal qual os nova-iorquinos. Alguém se lembra de tê-los visto?
E dos DKW dos anos 60? E, junto deles, os Fusquinhas de duas portas? Quando fui moleque, anos 50, táxi paulistano era em grande quantidade Chevrolet, geralmente pretos, que a GM montava em sua colossal fábrica de São Caetano. Imperavam os Chevrolet, embora houvesse muitos Ford e outros, claro, lembro-me bem.
E um outro "meio" de transporte – esdrúxulo e absurdo – que rodou pela Paulicéia foi o chamado "pau-de-arara"! Ainda às vésperas do IV Centenário, havia caminhões que exerciam, clandestinamente, o que caberia a ônibus e bondes. Dos "arrabaldes" (como denominava a imprensa) para o Centro, transportavam pessoas na carroceria – em pé ou sentadas em tábuas, como se carga fossem. Não se falava de "cidadania" à época. Era, além de desrespeito, duma insegurança e precariedade totais. Se ocorriam acidentes? Claro! Os jornais da época o atestam. Quando moleque, minha memória acena que vi alguns, lá por 1954. Os "pau-de-arara" deram lugar àqueles que se tornaram os primeiros "clandestinos", anos 1960…
Voltando aos microônibus – os pioneiros – da CMTC, eles eram os "lotações" cariocas, os legítimos. Na miscelânea em que resultava a frota de coletivos, CMTC e "particulares" – bondes, ônibus, trólebus – o micro, tal qual fora o papa-fila, era inusitado, pelo tamanho. Onibuzinho pequeno, 20 lugares: todos sentados, mesmo porque, de tão baixo o salão, não daria para ir em pé. Uma porta só. O motorista era também quem cobrava as passagens: mais caro que o ônibus, que era mais caro que bonde e trólebus. Fazia, portanto, poucas paradas na viagem. Resultava, assim, num transporte "seletivo" (principalmente pela tarifa). Viajei neles poucas vezes.
Recorro a um artigo – por questão de exatidão – da revista "O Coletivo", dos empregados da CMTC: "Foi inaugurada, no Largo São Sebastião, em Santo Amaro, a primeira linha de microônibus da CMTC. Estiveram presentes ao ato o prefeito Adhemar de Barros (…). A viagem inaugural, feita em direção do Anhangabaú, onde se localiza o ponto inicial, durou 22 minutos (…). Dez veículos, com lotação de 20 pessoas sentadas, compõem a nova linha, cuja tarifa é de 10 cruzeiros (…)". Isso foi na segunda quinzena de maio de 1958. Não me recordo o dia exato. A segunda linha viria no mês de julho, para o Tucuruvi. Não me recordo das outras linhas mais.
Duraram pouco os "lotações cariocas" da CMTC. O obsoletismo é o fiel da balança do progresso: implacavelmente, impõe às "criaturas" mecânicas o momento de parar. Aqueles micros, também, pararam…
Os micros atuais não são, como todos sabemos, exclusividade de São Paulo ou do Rio. "Praguejam" em todos os terrenos urbanos do País. Por rigor à memória do transporte coletivo paulistano, cabe – creio – lembrar daqueles pioneiros. Jogando conversa fora…
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