Festa de 15 anos

Certa feita, tinha eu 15 ou 16 anos, fui convidada para uma festa de 15 anos. Nós, as meninas de então, costumávamos nos encontrar, todos os domingos, na saída da missa das 11h na entrada da Igreja de Santa Margarida Maria, na Avenida Lins de Vasconcellos, Cambuci.<br><br>Eu não seria amiga, propriamente dita, da aniversariante, pois esta estudava em um colégio de freiras com chapelão, saia pregueada e faixa na cintura, feito minha vizinha e eu era estudante de colégio estadual, blusa de fustão, saia justa, gravatinha e cintinho vermelho na cintura.<br><br>Mas, nossa amiga em comum, muito “despachada” por sinal, perguntou, ao ser convidada, se eu, que estava ao seu lado nessa hora, também poderia ir, " é muito minha amiga, explicou, também somos vizinhas e costumamos dançar em festas de 15 anos valsas, temos até as roupas cor-de-rosa da última festa e o arranjo de flores com a velinha ". Simpática a aniversariante não só concordou como também achou ótimo, pois estava tendo dificuldades em encontrar as 15 meninas.<br><br>Pronta para a festa eis que chegou um dos meus tios, com uma prima querida para nos visitar e resolvemos convidar mais esta para o aniversário, depois de minha amiga telefonar e perguntar se poderíamos ir as três. A aniversariante era de uma educação e gentileza impecáveis e foi muito agradável ao nos receber.<br><br>Era um “sobradão”, tipo palacete, e ficava em uma das travessas da avenida. Finamente decorado, requintado até. As meninas de longo cor-de-rosa estavam lindas e os rapazes de smokings seriam nossos pares. A mãe da aniversariante, senhora bonita e muito elegante, atenta, geria os mínimos detalhes – a valsa, o bolo, as lembrancinhas, ajudada por algumas outras senhoras tão bonitas quanto ela que nos foram apresentadas como as tias e que ajudaram e retocaram nossas maquiagens…<br><br>Fomos avisadas, altas horas, de que meu tio estava nos esperando no portão. Lá fora, no jardim, estava também a mãe da aniversariante. Possesso, cara de poucos amigos, aquele ali praticamente nos enfiou dentro do carro, bufando, sem uma palavra sequer. Ao chegarmos, enfurecido, foi despejando:<br>- “vocês sabiam onde estas meninas estavam? Vocês sabiam na casa de quem andam estas meninas?"<br><br>Então ficamos sabendo que a senhora era uma das mais famosas donas de casa de prostituição de São Paulo, que havia praticamente implorado ao meu tio para não fazer escândalos porque criava a filha como que em uma redoma, esta filha ignorava a vida paralela da mãe. Meu tio era policial que dirigia carros de presos e já havia dado várias batidas no que chamou de "antro", para minha surpresa, que nunca ouvira tal palavra.<br><br>Naquela noite eu demorei a dormir, fiquei pensando muito naquela menina tão doce, meiga, arrumadinha, pensei nas ironias da vida, naquele universo paralelo que os homens ajudavam a criar, mas que escondiam debaixo dos tapetes. Tempos de jardins e de quintais, de uma respeitabilidade equivocada, mulheres usadas e descartadas, apartadas.<br><br>Tomei broncas e ouvi conselhos a semana inteira, “escolher bem as amizades, não entrar na casa de ninguém sem saber quem são, etc, etc". Minhas orelhas de tão vermelhas pareciam fumegar…<br><br>Vez ou outra cruzei com a menina da saia pregueada, chapelão, fita na cintura quando esta tomava o elétrico onde eu já estava na volta da escola e eu acenava rapidamente e depois desviava o olhar, covarde, acovardada.<br><br><br>E-mail: [email protected]