Eu conheci Adoniran Barbosa

Eu conheci Adoniran Barbosa pessoalmente, foi em 1979, na redação da Rádio Jovem Pan, eu trabalhava lá. Adoniran gostava de visitar as emissoras e, naquele dia, procurei me aproximar para ter certeza que sua voz era mesmo rouca. Ele me pegou pelo braço e me pediu que lhe fizesse uma ligação, "porque me atrapalho com os números", justificou. Depois de algum tempo fiquei sabendo que quando se dirigia a alguma cantina do Bexiga para almoçar, Adoniran seguia depois até a Rádio Eldorado que ficava na Rua Major Quedinho, e ali fazia a "cesta" dormindo em um sofá no corredor de entrada da emissora. Este sofá virou relíquia e permanece conservado na atual sede da Eldorado, no bairro do Limão, tendo no alto uma placa com os dizeres: Sofá do Adoniran.<br> <br>O produtor musical Zé Nogueira, que já trabalhava na emissora nessa época, conta que o compositor não só dormia como roncava. "Os funcionários já estavam acostumados com ele e até passavam de mansinho para não perturbá-lo", explica. Nogueira se lembra que os problemas começavam depois, quando ele acordava. "Então, era um tal de me pedir as coisas, primeiro cafezinho e depois cigarro". É que ele estava proibido pelos médicos e pela esposa Matilde de fumar, por causa de um enfisema pulmonar. Então, só fumava escondido. "Se comprasse teria que aparecer com o maço em casa e isto já era motivo de briga", recorda Nogueira dizendo ainda que o compositor adorava passar trotes pelo telefone e ligava da Eldorado para a casa dos amigos. "Ele falava alguma asneira, desligava rapidamente o aparelho e depois ria pra valer". Quando o relógio apontava cinco da tarde, Adoniran saia do prédio da Eldorado e ia para um restaurante ao lado, o Mutamba, e ali ficava com os amigos no mais tardar até nove da noite conversando. Depois ia para casa, alegando que ainda era boêmio, mas em final de carreira. "Mesmo assim foi ali que ele compôs, com Carlinhos Vergueiro, uma de suas últimas canções: Torresmo à Milanesa", completa o produtor musical da Eldorado. <br> <br>Adoniran Barbosa, durante boa parte de sua carreira artística atuou como ator, por isso sabia ler e escrever muito bem, tinha boa caligrafia, mas fazia tipo, imitando em si mesmo, um personagem que interpretava no Rádio chamado Charutinho. "Pra escrevê uma boa letra de samba a gente tem que sê em primeiro lugá anarfabeto", brincava. Em 1953 durante as gravações do filme O Cangaceiro, de Lima Barreto, onde foi coadjuvante, Adoniran conheceu os integrantes do conjunto Demônios da Garoa e daquele encontro surgiu uma grande amizade, visto que este grupo vocal e instrumental acabou dando forma ao "jeito de ser" dos sambas de Adoniran, gravando e fazendo os arranjos de seus principais sucessos: Tiro ao Álvaro, Joga a Chave, Samba do Arnesto, As Mariposas e a melhor de todas, Trem das Onze, campeã do carnaval de 1965. "Não posso ficar, nem mais um minuto com você, sinto muito amor, mas não pode ser. Moro em Jaçanã se eu perder esse trem que sai agora, às 11 horas, só amanhã de manhã…”.<br><br>Em seis de agosto de 2010 foram comemorados os 100 anos de nascimento do grande Adoniran. Lembro-me também de sua despedida em 23 de novembro de 1982, semanas depois de ele ter ido ao Morumbi onde recebeu de presente a camisa do jogador Sócrates. O Corinthians seu time predileto, havia sido campeão paulista.<br><br>E-mail: [email protected]