O ano era 1970. Eu havia iniciado carreira profissional no Lloyds Bank TSB, que na oportunidade chamava-se Bank of London & South América LTD, cujo prédio ficava ali na esquina da Rua XV de Novembro com a Rua da Quitanda.
Chovia muito naquele mês de janeiro, e nosso passatempo preferido no horário do almoço era assistir aos tombos na esquina do escorrega. Na sobreloja do banco, engolíamos o almoço, que vinha acondicionado devidamente em uma marmita (dentro de uma mala 007 para disfarçar), e corríamos até a esquina da XV de Novembro com a Ladeira General Carneiro Leão "bicho manso e bicho bravo".
Ficávamos em pé na calçada do lado de cá da XV e iniciávamos nossas apostas em quem escorregaria ou cairia. Era batata: mulher de salto alto, homens apressados e com as mãos no bolso e comadres de braços dados. Estas cairiam ou, no mínimo, escorregariam. As pessoas vinham ali do Pátio do Colégio e, ao virarem a direita para descerem a ladeira, escorregavam. Era guarda-chuva para um lado, sacola para o outro e bundas estateladas ao chão.
Nós ríamos a cada escorregão e gargalhávamos a cada tombo. Socorrer as pessoas ou adverti-las do perigo, nem pensar, pois aquela era a nossa diversão diária nos meses de chuva.
Foi num destes dias, em que a turma toda lá estava para rir dos tombos alheios, que algo diferente aconteceu. Uma senhora que aparentava uns 40 anos, muito bem trajada dentro de um suéter impecável, de salto alto, carregava em uma das mãos uma bolsa de couro e, na outra, uma sombrinha que aparentava ser de grife, pois era grande e de cabo de madeira. Ao surgir contornando da Rua Boa Vista para o Pátio do Colégio, em passos largos e firmes, foi eleita por todos como queda certa.
Ela entrou de cabeça erguida e muito elegante no Pátio e, ao iniciar a descida para a Ladeira Carneiro Leão, seu pé direito escorregou, abrindo um espacate digno da primeira bailarina do Municipal. Ela apoiou-se com a sombrinha e, como malabarista de circo, conseguiu equilibrar-se para, em seguida, escorregar com os dois pés e estatelar-se junto ao chão.
Rimos sem parar da perda momentânea da elegância daquela ilustre senhora. A cena foi tão cômica aos nossos olhos que aquele escorregão ganharia qualquer vídeo-cacetada.
A dama ergueu-se com a ajuda de alguns senhores passantes. Juntou sua bolsa, apanhou a sombrinha, bateu com as mãos na saia para retirar a água e alguma sujeira, levantou a cabeça e caminhou, tentando ser elegante, porém manquitolando para nossa direção. Ela olhou para nós, encarando cada um de frente sem dar um único pio. Segurou a sombrinha pela ponta e, com toda a elegância de uma esgrimista, desceu porrada em todo mundo.
Aprendemos uma grande lição naquele dia, e sempre que por ali eu passo relembro-me deste ocorrido em detalhes, pois fui o primeiro a levar uma "sombrinhada" na orelha. Arrependo-me das atitudes daquela época, mas confesso que sempre rio de soslaio ao relembrar daquela cena.
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