Da Bahia para a Vergueiro

Em 1961 a minha mãe resolveu mudar para, São Paulo onde o meu pai já morava há cinco anos. Saímos de uma cidade do interior da Bahia em um ônibus numa viagem que durou 24 horas. Sonhei com esse encontro, pois estava cansada de saber que tinha um pai, mas a única coisa que me fazia lembrar de como ele era, era uma foto pintada a óleo que tínhamos na parede da nossa casa lá na Bahia.

Eu e mais cinco irmãos chegamos à São Paulo depois de uma viagem fatigante de 24 horas. Passamos na casa de uma tia que já morava em São Paulo há muitos anos, e lá tomamos banho, trocamos de roupa, e minha mãe pegou um táxi, e lá estávamos nós em rumo à “favela” do Vergueiro. Quero ressaltar aqui que dois meses antes a minha mãe já havia achado o endereço do meu pai, e acertaram a nossa vinda para São Paulo.

Eu sonhava com esse dia, mas ao chegar ao lugar onde meu pai morava, um barraco de três vãos para nós. Éramos oito, incluindo meu pai e minha mãe. Quanta decepção, meu Deus! O sonho de conhecer o meu pai parecia pesadelo.

Encontrei um pai maltrapilho típico maloqueiro que tinha como meio de transporte uma carroça velha e que como moradia nos oferecia um barraco todo esburacado que, para nos proteger do frio, forrávamos de jornal.

As memórias desse lugar eram horríveis, mas fazer o quê? Minha mãe parecia muito feliz por esta com o meu pai. Um certo dia ele foi atingido por uma bala perdida que quase lhe custa a vida. Não tínhamos nenhuma liberdade, pois parecíamos uns prisioneiros, nunca podíamos sair na rua, pois a minha mãe sempre achava que algo poderia acontecer conosco.

As minhas irmãs mais velhas, uma com 13 e outra com 14, e meu irmão, com 12 anos, já trabalhavam para ajudar nas despesas, e por isso tiveram que parar de estudar. O meu sonho era voltar para a Bahia, sentia falta de morar na nossa casa de "verdade". Era muito simples mas não era de madeira toda cheia de buraco.

Passei por algumas escolas, Marechal Floriano, SESI no Ipiranga, e até uma escolinha no quintal do Madre Cabrine.

De todas as lembranças uma que mais me marcou foi quando resolveram abrir uma estrada na Rua Vergueiro, que atravessaria umas chácaras de uns portugueses. Me lembro dos tratores passando e destruindo toda a plantação de verduras. Até hoje me lembro da cara de tristeza daqueles portugueses ao ver as suas plantações sendo destruídas. E outras lembranças mais, como barracos sendo incendiados, os lixos que as fábricas iam jogavam, e nós íamos pro meio daquela lixarada atrás de alguma coisa que pudesse ser reciclada.

Sem falar de quantas vezes, indo para a escola, fui livre de morrer atropelada por ônibus e bondes. Bem, um dia meu pai resolveu ir passear na Bahia e minha mãe simplesmente fez uma surpresa para ele. Voltamos para a Bahia e ele não pôde fazer nada, mesmo tendo ficado desapontado com a atitude da minha mãe. Desde esse dia ele não voltou mais a São Paulo.

Hoje 49 anos se passaram desde aquele dia em que entramos naquele ônibus rumo a São Paulo, e posso ver que a minha vida deu uma reviravolta, vejo nitidamente o cuidado e a proteção de Deus para conosco. Em maio de 2010 fizeram 21 anos que mudei para Melbourne, Massachusetts, nos Estados Unidos, e dou graças a Deus por ter uma história de vida para contar, pois tudo em minha vida serviu de história e me fez batalhar para que meus filhos pudessem ter uma vida decente.

Tenho três filhos maravilhosos, o meu caçula com 29 anos, casado formado em engenharia de gravação, o meu filho do meio é autista tem 31 anos, e é atendido em um programa especial para o seu caso e mora comigo. A minha filha mais velha tem 34 anos, é formada programadora de computador, é casada e me deu duas netas lindas que estão com quatro anos.

Posso olhar para trás e ver que na minha vida tudo, tudo valeu a pena. Já voltei à São Paulo outras vezes, mas não tenho ideia onde fica o lugar que morei e nem sei se ainda existe. Só sei que o meu passado me deu muita garra e eu não me envergonho dele, e sempre que tenho oportunidade falo para os meus filhos sobre o meu passado, pois quero que eles saibam que nada cai do céu se não batalharmos para ter.

E-mail: [email protected]