Com dois filhos pequenos, mudamos para uma casa térrea em 1984. A ideia era dar a eles um quintal para brincarem, com uma balancinha, grama para jogarem bola, essas coisas. Tendo saído de um sobradinho na Vila Mariana, a casa no Cambuci parecia muito grande, difícil de limpar. Precisava também de alguém para ficar com o menino de dois anos enquanto buscava a menina maiorzinha na escola. Solução: achar uma empregada que fosse de confiança para me ajudar nestas tarefas.
Perguntei daqui e de lá, mas ninguém sabia me informar de alguém que quisesse trabalhar numa casa grande com duas crianças. Procurei, andei, perguntei, telefonei, e nada. Não achava mesmo a pessoa certa. Só duas pessoas apareceram em resposta ao anúncio que eu havia colocado na padaria: uma senhora velhinha, que me deu muita pena, mas não daria conta do recado, e uma garota de uns quinze anos que era muito nova para trabalhar.
Esperei, procurei, coloquei mais anúncios em bancas de jornais. Já estava amolando todo mundo e não conseguia mesmo a minha ajudante. Se não fosse a extrema necessidade eu teria provavelmente desistido, mas com as duas crianças para cuidar, casa para limpar, compras, comida a fazer, roupa por lavar, ainda fazendo as roupas das crianças e as minhas em casa, eu não estava conseguindo fazer nenhuma destas tarefas direito e nem estava dando tempo suficiente para meus filhos.
Uma tarde, com a pia cheia de louça por lavar, com as duas crianças chorando e um vestido para uma festa que já deveria estar pronto, mas não havia nem sido cortado, me desesperei. “Meu Deus”, orei. “Preciso de uma empregada. Vou sair na rua agora mesmo e vou voltar com uma. Me ajude, por favor”. Larguei tudo, peguei as crianças e saí andando meio sem destino, impulsionada pela fé que Deus ouvira minha oração.
Cheguei no ponto de ônibus, bem ao lado do Largo do Cambuci, onde uma fila de pessoas esperava pelo transporte. Sem saber muito bem o que estava fazendo, falei com uma senhora jovem, de blusa branca e saia preta, muito limpinha e arrumada. “A senhora conhece alguém que está precisando trabalhar em casa de família?”, perguntei meio sem graça. Ela virou pra mim com um sorriso enorme: “Pois eu estou! Onde é que a senhora mora?”.
Trouxe a Judite até a minha casa. Ela me contou que era evangélica e que morava na rua paralela a minha. Imediatamente contratamos tudo e ela começou a trabalhar conosco no dia seguinte. Ficou por quatro anos, até quando mudamos do país.
Judite foi a melhor empregada que já tive. Era mesmo uma amiga. Deixava meu filho com ela sem a mínima preocupação e podia ter certeza de que ele estava bem. Judite quase nunca faltava, deixava tudo limpinho, cantava enquanto trabalhava, estava sempre de bom humor. Eu podia ter certeza da sua honestidade, nunca me preocupava se havia deixado algum dinheiro à vista ou se ela havia pegado alguma coisa da casa. Com o tempo, ficamos conhecendo também o resto da família, o marido dela, o Marcio, e a filhinha de três anos que passou a ser amiguinha da minha filha.
Quando a Judite resolveu fazer salgadinhos para vender eu até fui ajudá-la em sua casa, tal era a amizade e carinho entre todos nós. As festinhas de aniversário dos meus filhos sempre tiveram os deliciosos quitutes que ela fazia.
Nós conversávamos muito, geralmente tomando um cafezinho à tarde e comendo um bolo de fubá quentinho, enquanto as três crianças brincavam lá fora. Guardo daquele tempo as melhores recordações e depois que nos separamos ainda por alguns anos nos correspondemos e mantivemos as notícias em dia. Agora perdemos todo o contato, mas jamais esquecerei esta minha grande amiga…
Contei para ela como foi que a encontrei, como pedi a Deus que me ajudasse, como de repente saí de casa correndo como se soubesse que ela estava no ponto do ônibus, como senti que deveria falar com ela, e ela: “Sabe que eu estava pedindo a Deus um emprego bom, num lugar que eu gostasse de trabalhar?”
É… Deus tem agência de emprego também…
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