Caso das velhinhas

Era um quarteto impossível. As irmãs gostavam de conversar. Podia ser pessoalmente, pelo telefone, de qualquer jeito. Uma sempre esperava a outra para um café, mas, de preferência, para um almoço. E uma ia ajudando a outra dentro das possibilidades ao longo das suas existências. Contavam casos, estranhavam os tempos modernos, com os namoros, digamos estranhos. Não havia hipocrisia nisso. Achavam apenas que algumas atitudes só iriam dar errado no futuro e o preço seria sempre alto. E achavam “a mocidade” muito bonita, interessante, inteligente.

Mas a simpatia era imensa. Sempre demais. Belíssimo o cuidado com as respectivas famílias e gostavam de contar de quando os filhos eram pequenos. Apesar do eterno sufoco financeiro, os filhos foram cuidados com muita alegria. E faziam as festinhas de aniversário e todos os parentes eram convidados e iam também com muita alegria ao encontro. Os doces eram feitos dias antes. Todos bem enroladinhos, do mesmo tamanho, eram colocados nas forminhas e sempre tinha a bala de coco embrulhada naquele papel apropriado com aqueles fiapos esvoaçantes. Eu sempre achei aquele papel misterioso porque, na hora de se puxar uma bala daquele doce aglomerado, era um embaraço total. Tinha-se que chacoalhar a bala e o barulho do papel era muito característico.

Aprendi a amar profundamente a minha sogra e as suas irmãs. Jamais havia conhecido um quarteto tão genial. Saudosistas sim. Uma família de italianos, “tutto buona gente”, e a família era fundamental para a sobrevivência em tempos de tão grandes dificuldades. Tinha mesmo que ser unida, se ajudar, marcar sempre presença em qualquer circunstância.

Na casa da Vila Sônia acontecia de tudo – festas, almoços que duravam até um tanto da tarde, a macarronada com o molho grosso salpicada de queijo parmesão ralado na hora. Um pequeno baile em um dos aniversários do meu filho, e muita acolhida, principalmente dos netos. E estes, invariavelmente, pediam para a avó aquele prato de batatas fritas às 3h da tarde, um pudim que foi visto na casa de alguém ou mesmo na televisão.

Lá pelas tantas, a minha sogra aprendeu a fazer bombons… Não há como imaginar uma casa de avó que seja uma pequena fábrica de chocolates. E de vários sabores, incluindo alguns tradicionais, como o antigo Lolo, Chokito, Sonho de Valsa, com a casquinha apropriada, que não sei onde ela encontrou pronta.

Eu não imaginava que, dessa casa, saiu um plano obscuro, inusitado – o casamento do Nelson comigo. As velhinhas se juntaram, trataram de me agradar, me davam presentes, torta de Sucrilhos e sempre eu era convidada para o almoço de domingo. Resolveram fazer a festa do casamento na maior operação desencalhe de toda a história do bairro… E eu não percebia a arrumação do caso.

Foi nessa casa que, em uma tarde, o outro neto resolveu pintar a cachorra de verde e colocar-lhe óculos escuros. Outro dia, colocou essa mesma vira-lata na cama da minha sogra, coberta até a cabeça e a avó pensou que a outra neta estivesse dormindo ali. Repentinamente, ela viu todos os netos na sala e estranhou o corpo na cama. De quem seria? A infeliz da cadela teve que sair da cama debaixo de uns tantos palavrões carregados com açúcar. A mesma cadela que o meu marido teimava em me fazer acreditar que tinha um parentesco com algum cachorro de raça… Não sei de onde.

Só sei que, um dia, ele abriu a boca do animal para me mostrar que ali existiam algumas manchas e que isso denotaria uma linhagem com algum quadrúpede canino, quem sabe, lá do tempo do Império Austro-Húngaro, uma década antes do assassinado de Francisco Ferdinando, não sei bem.

Nos tempos de Natal, eu costumava levar presentes mais ou menos iguais para todas elas, mas não tinha jeito – uma achava a toalha bordada da outra mais bonita e ficava um clima engraçado porque, como dizia a minha avó, “a gente vai ficando velha e vai ficando criança”. Demorei para compreender isso.

De qualquer forma, a mulher mais velha exala doçura, uma sabedoria misturada a uma boa piada, a gargalhadas macias e acolhedoras. As mulheres mais velhas têm uma alma burilada pelo sofrimento, pelas perdas, pelos sonhos que se esfumaçaram, levados pelo vento com uma possível dose de crueldade. Corações que perceberam que o amor pode ser completo, mas muitas vezes arredio e insuportavelmente volátil. A mulher mais velha faz um livro de poesias a cada ano, repensa casos, sente saudades, faz bolos com ou sem recheio, faz pão em casa, reza sempre e muito e está sempre pronta para criar e viver. Viver envolvida com a música encharcada de perfume de numerosas primaveras.