Caetano de Campos – o hino

Ontem teve jogo do Brasil na tevê. Como em todo jogo da seleção canta-se o Hino, acabei lembrando da época de escola, quando éramos obrigados a cantar o hino nas salas de aula.
Lá se vai o tempo em que a criançada tinha que cantar não só o Hino Nacional como também o próprio hino da escola. Hoje, acho que as escolas nem hino têm mais. Mas a minha escola tinha e era muito mais bonito que o Hino Nacional. Posso lhes garantir. Não é falta de patriotismo não. Não me interpretem assim. É uma honesta declaração de amor.
Pelo menos para mim, que me orgulhava de estar ali, dentro daquele uniforme azul marinho e branco, naquela que era sabidamente por todos nós, uma das melhores escolas públicas de São Paulo, quiçá do país. Essa supremacia pode até ser contestada, mas no quesito hino, o nosso era, tenho certeza, imbatível.
Éramos obrigados em todo início de semana a cantar o Hino Nacional de pé, ao lado esquerdo da carteira. Ficávamos ali postados, tão fixos que até a respiração sumia. Só sentia o pulsar mais intenso do coração, como que ritmando a nossa melodia. E então entoávamos a canção com aquele monte de palavras difíceis (plácidas, brado retumbante, fúlgidos, penhor, impávido, lábaro, clava, eta!), que até hoje, pra saber o que significam, algumas ou todas elas, tenho que olhar no dicionário.
Parece que essas palavras tinham o dom de nos dar uma erudição. Tinham o dom de nos tirar do limbo da ignorância, tornando-nos sábios e retóricos, como um Rui Barbosa. É, como Rui Barbosa, pois ele era nossa referência do supremo saber, da excelência do conhecimento humano. Isso dito pelo nosso professor de História do Brasil, um sujeito de pouco mais de metro e meio, que se gabava de dizer que o Rui (desculpem a intimidade), o “Águia de Haia”, também era um sujeito de pequeno porte mas de uma inigualável inteligência. Aí é que morava a verdade da tão tendenciosa e obsessiva referência daquele professor: a vingança dos baixinhos.
A letra do Hino Nacional para nós, imberbes alunos, sempre foi algo um tanto automático e confuso. Pronunciávamos aquelas palavras sem sabermos o real significado e até nos perdíamos nas estrofes. Às vezes, saltávamos palavras, às vezes era a estrofe inteirinha trocada. Tinha uma em particular que sempre nos pegou de surpresa. Aquela: Brasil, um sonho intenso, um raio vívido… Sempre trocada pela: Brasil, de amor eterno, seja símbolo.
Acho que até hoje, por cantar com muito menos freqüência, acabo tropeçando nessas estrofes. E sei que não estou sozinho nisso. Confessem! Vocês bem que se confundem também. Não tentem me enganar! Sei disso.
Basta repararmos nos jogos de futebol da seleção. Reparem nos poucos jogadores que cantam o Hino, como eles acabam balbuciando essas estrofes, tipo enganando o telespectador. Reparem em dia de solenidade cívica, quando tem político cantando o Hino. Reparem se eles também não tropeçam nessa parte.
Para não mais passar vergonha me enganando nas estrofes, acabei desenvolvendo uma técnica mnemônica (esta palavra não está na letra do Hino): é preciso sonhar intensamente para ter o amor eterno. Notaram? Primeiro vem o sonho intenso; depois o amor eterno.
Mas o fato é que essa confusão acontece mesmo. E tanto é verdade, que agora tiveram uma grande sacada. Nesses eventos, na hora do Hino, aparece um cantor popular para salvar a pátria da vergonha da letra errada.
E a coisa até que fica curiosa. Digo curiosa para não incorrer em nenhuma polêmica, pois há os que gostam. Mas que no mínimo é engraçado, isso é mesmo! A gente acaba vendo, digo, ouvindo o Hino em ritmo de bossa nova ou samba-canção. Aí vai do gênero do artista convidado. Já vi a Gal Costa e o Gilberto Gil cantando para o grande público. Mas fico pensando no dia que convidarem o Daniel ou o Leonardo ou o Zezé de Camargo e o Luciano (dois viúvos e um casal). Já pensou num show “Os Três Sertanejos” (considerar a dupla como um único artista), nas Termas de Santa Bárbara (pertinho de Avaré)? E eles cantando o Hino na abertura do show no ritmo que os consagrou. Qualquer semelhança com Carreras, Pavarotti e Domingos naquelas outras termas (a de Caracala) é uma tremenda coincidência.
Porém a coisa tá mais pra abertura de luta de boxe internacional, naqueles famosos cassinos de Las Vegas, com algum artista cantando o hino americano embrulhado na bandeira listrada dos Esteites. E o hino americano nem é tão difícil assim, pelo menos para os americanos.
Mas, enfim, com toda a controvérsia dessas modernidades, a moda parece que pegou mesmo. E às vezes é até melhor ouvir o Hino da boca de algum cantor mais afinadinho, do que tocado por aquelas bandas da Polícia Militar que mal e porcamente tiveram tempo de passar a farda à ferro, quanto mais de ensaiar alguns poucos acordes.
Todavia, voltando aos meus tempos de estudante, se o Hino Nacional de tanto entoarmos acabamos gostando, o Hino da Escola, esse sim, cantávamos com imenso prazer, pois a sua letra, além de muito mais simples, sem aquelas palavras empoladas, estava muito mais próxima da nossa realidade. Ela falava do templo do ensino que era a nossa escola. Ela falava do aprendizado da ciência e da virtude. Era profética. Falava de um destino mais brilhante. E nós éramos o futuro!
O ato de cantar o hino da escola era um orgulho cívico escolar profundo. Era a identidade maior com a nação caetanista. E não era uma letra cantada por qualquer um, não. Era de exclusividade de nós alunos daquele templo educacional sagrado. Era a reverência máxima à entidade que tinha essa árdua missão, essa sim, de nos tirar do limbo da ignorância e formar cidadãos na concepção da palavra.
Lá se vai o tempo em que as escolas públicas tinham hino. Ou o tempo em que as escolas eram públicas. E a vida pública tinha ensino!
Saudades da minha escola! Saudades daqueles tempos!

Salve escola que tanto adoramos
Salve ó templo do bem e do saber
De teu seio fecundo esperamos
A ciência e a virtude sorver
E o progresso se funda no ensino
E no ensino o Brasil se fará
Mais brilhante será o seu destino
O futuro da pátria aqui está
De Caetano de Campos tivemos
Belo exemplo que é o nosso ideal
Imitando-lhe a vida teremos
O mais santo e seguro fanal
E no peito de cada menino
O Brasil um bom filho terá
Mais brilhante será seu destino
O futuro da Pátria aqui está.

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