Morreu Bolofe, ou melhor, Milton Conestabile. Somente agora, um ano após sua morte, consigo homenageá-lo. Lamentei demais esta perda.
Bolofe foi um cara muito legal. Gordo simpático, falante, bom amigo, aliás, muito bom amigo. Lembro-me que o conheci aos meus dezesseis anos. Certa noite, na venda do Mane (antigamente empório de bairro era conhecido como venda), ele entrou. Eu estava em companhia do Zeca (José Carlos M. Pontes), Lazinho, Toninho e outros garotos. Como sempre falávamos sobre futebol. O bom futebol paulista daqueles tempos. Discutíamos a respeito de quem era melhor: Luizinho ou Pelé, Canhoteiro ou Pepe, Gilmar ou Castilho etc. Bolofe, de maneira simpática (e intrometida), entrou na discussão. A partir daí nos conquistou, tornando-se nosso amigo, principalmente meu e do Zeca.
Todas as noites, na venda, aguardávamos sua presença, para participar de nossas acaloradas conversas, pois considerávamos muito suas opiniões. Aconteciam muitos papos, piadas cabeludas, gozações (ele era mestre nisso), e seu alvo mais constante era o português Mané, filho do dono da venda e seu amigo de antiga data.
Bolofe era mais velho do que eu uns oito anos, porém agia a idade dos garotos. Jogava bola na rua, sentava conosco na calçada, ria alto com nossas piadas. Era um garotão. Por muitos anos foi meu conselheiro, uma espécie de irmão mais velho.
Lembro-me de um Carnaval em que ele começou a sair com a empregada doméstica da família de seu amigo Geisel, irmão do bom crioulo Quincas, vizinhos da venda do Mané. Bolofe saía com ela e, confesso, me senti o próprio menor abandonado. “Que é isso, cara?” – ele me falou. “Você é meu chapa. Essa mulher é só diversão de Carnaval”.
Continuamos amigos pela vida. A garotada formou um time de futebol chamado Brasil da Pompéia. Foi após a copa do mundo de 1958. A seleção brasileira foi campeã. Bolofe foi escolhido para ser nosso técnico e dizia que eu, por jogar bem, era a estrela maior do time. Bom amigo esse Bolofe.
O tempo passou, ele se casou e me apresentou sua cunhada, uma bela garota. Insistiu muito para que eu a namorasse. “Não posso, cara. Tenho só dezoito anos. Sou muito novo para namoro sério. Quero aproveitar a vida”. Fui sincero e ele compreendeu, para decepção da cunhadinha, como eu e Zeca a chamávamos.
Bons tempos, e agora, escrevendo e recordando, a saudade aperta mais, maltrata mais e as lágrimas incomodam. O tempo, implacável, continuou passando. Passando não, voando. Cresci, casei, mudei de bairro, tive filhos. Nossos encontros rarearam, porém jamais deixei de manter contato com ele.
Anos depois, já aposentado, Bolofe abriu uma pequena pizzaria, próxima a sua casa. De vez em quando, eu ou o Zeca, que também já tinha se mudado, passávamos por lá. E lá foi nosso último encontro. Mais velho, mais gordo (bem mais gordo), ele conservava o espírito maroto e gozador de sempre. Nessa noite, em minha despedida, o abracei e lhe desejei muita sorte.
Algum tempo depois, fui informado por um empregado da pizzaria, no telefonema que dei, que ele havia sido internado com câncer. Levei um choque. Fiz contato com o hospital e fui atendido pela enfermeira que o acompanhava diuturnamente. “O senhor Milton está reagindo bem ao tratamento, porém não pode falar por causa da traqueotomia”.
Continuei acompanhando à distância a evolução do meu amigo, pois as visitas estavam suspensas. Meses depois, consegui falar com ele por telefone (visitas continuavam suspensas). Bolofe me atendeu muito contente, com a voz rouca. Trocamos palavras animadoras, motivadas, saudosas. Ele me pareceu, na ocasião, bem melhor. Combinamos um encontro para breve.
Dias depois, o triste telefonema. “Seu Wilson, o senhor Milton faleceu esta madrugada”.
Susto, baque, tristeza e lágrimas. Sentimentos frustrantes, impotentes, doloridos. Não fui a sua cremação. Preferi guardar a imagem viva do meu amigo. Melhor assim.
Adeus Bolofe. Que Deus ilumine seu caminho para sempre, meu bom amigo.
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