Em nosso estabelecimento comercial (Papelaria Martim Francisco), extinto em 1995, em épocas de carnaval, vendíamos artigos carnavalescos em geral. O destaque das vendas era sem dúvida o lança-perfume.
Era produzido em vidros nos tamanhos de 60, 100 e 200g e em metal; os famosos "Rodouro" nos tamanhos de 100 e 200g. O lança-perfume representava um dos principais símbolos da alegria nos dias de carnaval. Com confete e serpentina como coadjuvantes, nos salões de bailes ou em outros locais, o lança-perfume adequadamente usado exalava fragrâncias diversas proporcionando saudável frenesi entre os foliões, contribuindo para atenuar o estresse que o cotidiano da vida produz. Nas ruas, às vezes uma simples fragrância dirigida a alguém do sexo oposto poderia levar esse alguém, entre outras circunstâncias, até ao altar. Muitas lembranças e muitas histórias alegres poderão ser contadas ocorridas durante a vigência dos anos dourados do lança-perfume. Porém, nem sempre tudo "eram flores".
Na década de 50 tínhamos um cliente que, na época de carnaval, costumeiramente comprava lança-perfume, como muitos outros. Seu nome: Sâmi. Certa vez, num domingo de carnaval, após ter comprado um de vidro de 60g, um cliente que observou a venda nos alerta que o Sâmi usa lança-perfume para se drogar. Saímos da loja e da calçada constatamos a realidade. Após andar cerca de 20 metros ele para, tira um lenço do bolso e, depois de alguns jatos, leva o lenço ao nariz. Mais ou menos a cada 20 m, andando lentamente, repete o mesmo procedimento até chegar à altura do também extinto Cine Excelsior na Avenida Santo Amaro, distante cerca de 80 metros do nosso estabelecimento. Parou em frente ao cinema e deu duas cabeçadas na parede. Em seguida saiu andando, agora mais depressa e de modo sinuoso, até dobrar a primeira esquina (Rua Santa Justina).
Dois dias depois, na terça-feira de carnaval, ele volta totalmente sóbrio para comprar outro lança-perfume. Como estava sóbrio, argumentamos que presenciamos o ocorrido no domingo e, para ajudar a preservar a sua integridade, não venderíamos mais lança-perfume a ele. Insistiu algumas vezes, mas, sentindo a nossa irredutibilidade, acabou indo embora.
Após duas ou três horas, para nossa surpresa, ele passa em frente à loja, andando bem devagar, ligeiramente cambaleando, rindo e pronunciando palavras inaudíveis. Naquela época, o local mais próximo que vendia artigos de carnaval ficava bem mais do que um quilômetro. Com algumas indagações, conseguimos descobrir a artimanha do Sâmi: pediu para alguém comprar em seu lugar.
Depois de relembrar os momentos felizes que o uso conveniente do lança-perfume ocasionava, um episódio como o do Sâmi nos induz a terminar esta história com as seguintes palavras: parabéns presidente Jânio da Silva Quadros.
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