O ano se arrastava invariavelmente. Naquela São Paulo dos anos 60 e 70, para nós, o especial não acontecia. Era a rotina da escola, que não apresentava inovações junto da rotina familiar. Sem finais de semana festivos ou de visitas a familiares, sem grandes alegrias ou novidades. Era pequeníssima a parentela na cidade. Éramos sós. Muito sós. Mas quando janeiro se aproximava, a alegria, as vibrações começavam a se anunciar. Iríamos passar uma quinzena em Santos. O meu pai alugava um apartamento. Poderia também ser em São Vicente, não importa. Era tempo de praia, de sol, de novidades, de colorido. Era o momento de se caminhar pelo gigantesco jardim da orla, o maior do mundo, com uma mocidade que se exibia sorridente na extraordinária alegria se sentir vivo.
Foi lá em Santos que aprendi a observar com alegria os encantos da juventude. Pessoas que riam e isso não era feio e nem condenável. Era apenas normal. Jovens que passeavam de noite e não era perigoso e nem proibitivo. Conversas mil iam acontecendo, fluindo com a naturalidade da vida sem desespero e nem tristeza. Época do encontro. O dia era gasto quase que inteiramente na praia. O mar convidava para um abraço generoso logo pela manhã. Andanças pela areia, a bola na água que fazia me respingava nos óculos… Tudo era vida em um ritmo suave, calmo, iluminado. A única pressa era a entrega ao Atlântico. Uma entrega inteira, verdadeira, leve, humana, poética.
Carrinhos de sorvete Kibon serpenteavam pela doce areia de Santos. Amendoim, a cocada baiana, a branca e a de coco queimado… Uma mistura ímpar de vida, ternura e movimento… Mas, já na primeira noite, a tragédia era implacável: a vermelhidão nas costas, nas coxas, na testa… A dor que não dava trégua e não deixava dormir. Ah! Castigo dos infernos… O mar esperando, com ondas mornas e sensíveis, convidativas e atraentes… E o sol com o recado tão negativo, nos repelindo do sabor daquela experiência de sabor do divino.
Existia um bronzeador meio avermelhado. Eu até bloqueei o nome. Não me lembro mesmo da marca daquela coisa horripilante. Eu odiava aquilo. Não passava na pele, mas a minha mãe, que não aceitava a minha vontade, vinha logo e me esfregava aquele óleo nas costas e eu não tinha o que fazer com aquela coisa medonha a não ser suportar aquele melado, aquela gosma que me ficava entranhada na pele. Depois da dor que nos deixava meio imóveis, cheios de cuidados, do “não encosta”, vinham as bolhas, aquelas bolsas de água horrorosas e muito grandes, que davam vergonha.
Eu não compreendia o por que passar dor logo nas férias… O ano inteiro havia sido de negação, de compromisso, de solidão… E aquele desejo sonhado de liberdade rimaria com uma proibição vinda da natureza, do sol inclemente, como a convidar para a vida plena, mas nem tanto. Parece que o sol se oferecia para nos deixar mais bonitos, mas cobrava um preço mais alto do que podíamos suportar.
Depois inventaram o protetor solar. Que coisa santa a permitir que o prazer pelo beijo do mar e do sol se tornasse direito! Direito humano sim, sem apelação, sem medo. Na suavidade da onda. O mar oferecendo calmaria e consolo, equilíbrio e certeza em qualquer tempo, mesmo nos mais sombrios.
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