As lembranças de cada dia que passou e que não volta mais, era a de fazer trajetos e traçados de roteiros que percorríamos pelo centro da cidade de São Paulo. Incluo as imediações da Praça da Sé, Rua da Quitanda, Direita passando pelo Viaduto do Chá ou pelo Vale do Anhangabaú, indo em direção à Praça da República até a altura do Largo do Arouche e pelas ruas adjacentes: Bento Freitas, Rego de Freitas, Silva Jardim. Era lá onde residia numa casa com quartos de aluguel para solteiros.
Ora escolhíamos o trajeto, via Avenida Ipiranga ou Rua 7 de abril, ou ainda pela Barão de Itapetininga. Muitas vezes dando aquelas escapadelas pela Avenida São Luiz ou Avenida São João, "subindo" a procura de algum programa que incluísse ou casas noturnas para assistir a algum show, ou sessões de cinemas para alguma apresentação de filmes ou épicos ou algum faroeste americano. Lembro que foi numa destas noites que assisti ao filme O Dólar Furado, produção que teve como ator o ator Giuliano Gemma. Íamos passando, avançando sempre mais para tomar o rumo aquele ponto da cidade, o Largo do Arouche, ou a Praça da República de tanto movimento e agito. O caminho todo era feito a pé e normalmente sob chuva ou garoa. Chovia com muita facilidade nesse tempo, fins da década de 60. Mas também vez ou outra quando o tempo estava "bom" a lua e as estrelas também iluminavam nossos caminhos e davam o ar da sua graça e contribuíam dando um toque de nostalgia e romantismo provocando saudades de alguém querido e distante. Isto fazia muito sentido naquela época movida pelas canções da Bossa Nova, da Jovem Guarda, do jazz e também dos conjuntos/bandas de rock que sacudiam nossas mentes; período que muito se comemorou e que alguém intitulou de Anos Dourados.
O céu paulistano apresentava o brilho dos painéis e da publicidade dos edifícios que, mesmo se porventura fosse ofuscada pelos gases poluentes dos veículos e das casas, bares e restaurantes, não deixavam uma impressão de céu escuro e cinzento. Ao contrário, nada disso fazia nós desistirmos de nossos propósitos. Tudo superávamos pela persistência, até teimosia. A alegria e o entusiasmo de nossas vidas e do trabalho que realizávamos, pequenas vitórias, nos davam o passaporte para sonhos maiores e grandiosos.
A ilusão do sonho por dias melhores do encontro do sucesso seja ele de que maneira fosse, fazia-nos superar até algum contratempo ou alguma forma de governo que desconhecíamos. O regime de exceção ou de repressão só foi compreendido anos mais tarde, quando o regime provocou estragos nos jovens e políticos que somente mais tarde recuperaram sua confiança. Não imaginávamos os trágicos efeitos e perseguições. Para nós era como se fossem dias ou semanas curtas. Nós dessa geração ignorávamos esses assuntos de forma propositada. Nada nos impediria de sonhar com dias melhores e a força do nosso pensamento nos conduzia à vitória consagradora da nossa juventude transviada. Éramos felizes. Um dia a nossa verdadeira independência seria conquistada e a nossa desejada democracia também. Éramos como visionários.
Este substrato mental contagiava nossa geração, motivada como já frisei pelas canções, músicas e melodias do tipo: "vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer", de autoria de Geraldo Vandré.
Eu queria falar de um assunto que lembrasse a cidade deste tempo, não para lembrar de coisas tristes, mas sim para recordar os nossos bons momentos que todos partilhamos e vivenciamos.
Não irá passar despercebido o brilho do nosso olhar, a nossa cidade e povo deste tempo e os locais por onde passamos; das luzes e holofotes que estão gravadas nas nossas memórias, das casas, do comércio, das lojas e dos estabelecimentos públicos. Tudo era riqueza da nossa pátria que em nossas cabeças tínhamos como próprias, de um povo de uma geração que não se deixaria abater. Que bom que nossa atual juventude se espelhe neste tempo, com o nosso testemunho repassaremos e registraremos um tempo especial e que expresso aqui neste espaço para não nos esquecer dos "anos dourados". Abraços a todas as gerações do ontem, de hoje e do amanhã.
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