Para concretizar meu projeto de escrever uma Historia da Gastronomia Paulistana, nesta semana procurei pesquisar textos e ativar a memoria, focando as décadas de 60 e 70. O país vivia uma ditatura militar muito à brasileira. Pouca liberdade de expressão muita liberdade para gozar a vida.<br><br>Naquele tempo existiam em São Paulo estabelecimentos que hoje desapareceram e das quais poucos se lembram. Eram restaurantes – boates -bares – inferninhos e salões de dança. Forçando a memória e pesquisando na internet recuperei dados a serem aprofundados. Estou surpreso com a diversidade de ofertas de locais para entretenimento coletivo. Basicamente concentradas uma região ao redor do centro que envolve a Vila Buarque, Republica, Sé, Avenida Paulista, Rua Augusta. Relembro agora os nomes de algumas casas fizeram sucesso e não mais existem.<br><br>Restaurantes<br><br>Sapadoni – Grande restaurante da madrugada. Ficava na Avenida Ipiranga entre os “taxi-dancings” Avenida e Maravilhoso, onde os boêmios faziam sua ceia. Eu gostava da salada de cebola e de encontrar lá meu primo Vava Sigueira.<br><br>Papai – Na Praça Júlio Mesquita, onde na esquina com Rua Vitoria, funcionava a primeira farmácia 24h, o Papai recebia para uma comemoração do fim trabalho as mulheres e seus sempre atentos agentes.<br><br>Giordano – Na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, ao lado do então Cine Teatro Paramount, uma grande vitrine permitia ver um grelha com mais de cinco metros de largura, onde ao calor de brasas de carvão douradas frangos não aparavam de girar. Meu pai levava a família para almoçar lá aos domingos e pedíamos uma especialidade da casa, o “Risoto a Catarina”.<br><br>Le Arcate – Na esquina da Rua Avanhandava, tocado por uma família italiana, servia um magnifico “bolito” misto, apresentado em um majestoso carrinho de prata que era composto por carne de boi assada, lombo de porco assado, peito de frango, codequino, zampone e uma profusão de cenouras, cebolas, batatas e couve cozidas, tudo regado por um molho verde único. O maitre pessoalmente montava o prato, de acordo com as preferencias do freguês.<br><br>Parreirinha – Na Avenida Ipiranga. Sua enorme vitrine era uma geladeira que ostentava a matéria prima da casa, os peixes mais frescos que se poderia imaginar; Depois mudou para a Rua General Jardim, onde acabou nos deixando saudosos, publicitários, jornalistas e artistas que eram clientes habituais.<br><br>Ca’D’Oro – Na Rua Basílio da Gama. Era o restaurante de um pequeno e sofisticado hotel taliano. Até recentemente, em seu endereço na Rua Augusta servia iguarias da culinária italiana de forma absolutamente correta.<br><br>La Gratinee – Pequena casa ao lado do Largo do Arouche, na Rua Bento Freitas, acolhia a boemia para uma deliciosa sopa de cebola com sabor bem francês.<br><br>Vienense – Em um segundo andar da Rua Barão de Itapetininga, um grande salão acolhia as senhoras que iam fazer compras nas lojas chics do local, bem como nas ruas Marconi e Don Jose de Barros. Um quarteto de cordas tocava musicas com sotaque germânico.<br><br>Boates<br><br>Este tipo de estabelecimento penso estar extinto ou evoluiu para algo eletrônico ou “hi tech”. Boates eram casas noturnas finamente instaladas, com ar condicionado, rico mobiliário e baixelas de luxo que só abriam durante a noite e apresentavam shows ao vivo, musica para dançar em pequenas pistas iluminadas ao som de orquestras e onde se bebia champanhe e destilados e também serviam ceias, onde os pedidos mais frequentes eram o estrogonofe e o picadinho à brasileira.<br><br>Oasis – No subsolo do Edifício Esther estava instalada a casa da moda. Sempre vigiada pelo enorme porteiro Atílio, recebia a fina flor da sociedade paulistana. É incrível recordar o enorme numero de casas congêneres, em geral localizadas nas imediações ou na própria da Praça Roosevelt. Os nomes famosos, hoje esquecidos, foram, entre outros: Mustachre, Beco, Stardust, Ta Matete, Djalma, Ton Ton Macute. Em todas elas músicos famosos executavam as ultimas da MPB.<br><br>Bares<br><br>Os bares das décadas de 60 e 70 praticamente foram extintos, creio que alguns sobrevivem em grandes hotéis. Suas características eram peculiares, começavam a funcionar a partir das 18h, recebendo uma clientela predominantemente masculina que antes de retornar ao lar, se reunia com os amigos para beber uisque, gin, rum e aguardentes (em geral importadas) acompanhadas por pipoca, amendoim e alguns canapés (as cervejas eram pouco comuns) e ter um bom bate papo. Fundo musical discreto feito por piano, contra baixo e bateria. Destacavam-se:<br><br>Bar do Mappim – No quinto andar, a partir das 18h o salão de chá de transformava em bar para receber sua fina clientela de advogados, médicos, publicitários e altos funcionários públicos.<br><br>Scotch’s Bar – Montado por antigos garçons do Mappim que sempre foram seguidos por sua fiel clientela.<br><br>Silvio’s – No térreo de um prédio da Avenida Angélica, defronte à Praça Buenos Aires, funcionou um bar que acolhia o fino da sociedade de então. Estavam sempre presentes Carlão Mesquita e Atílio Fontana, o ultimo sorvia seu drink tocando o piano da casa.<br><br>Riviera – Na esquina da Avenida paulista com a Rua Consolação, onde os alunos do São Luis iam tomar o café da manhã depois da missa de domingo, acolhia de jogadores de futebol a músicos e boêmios, sempre atendidos pelo seu Inácio e pelo garçom Juvenal. Ficava aberto ate tarde da noite e não tinha musica. Era local para conversar, discutir e namorar na sobre loja.<br><br>"Juão Sebastião" Bar – O mais famoso deles todos, de propriedade do saudoso jornalista Paulo Cotrim foi o berço da bossa nova em São Paulo, pela casa passaram todos os ídolos que até hoje fazem da nossa MPB um sucesso universal. Sua grandeza merece uma crônica especial.<br><br>Inferninhos<br><br>Concentrados na Vila Buarque, então também conhecida como Vila Boate, os inferninhos eram casas com musica ao vivo, bebida falsificada e garotas procurando clientes. Apresentavam shows de bolso e musica de toca discos. A lista era enorme, destaco as mais famosas e maiores: Dakar, Holiday, Variety, La vie em rose, Michel, Club de Paris, Chicote Vagão.<br><br>Salões de baile<br><br>Ancestrais das atuais baladas os bailes eram uma tradicional instituição. Todos os clubes organizavam reuniões dançantes. O Paulistano todo domingo recebia a fina flor da juventude paulistana para suas matines dançantes, seus bailes de carnaval foram famosos. O Harmonia dá, todos os anos, seu baile de debutantes. O Jockey Club oferecia um monumental baile de réveillon com “boca livre” de bebidas importadas e finas iguarias na ceia. As mais famosas e bem montadas orquestras eram requisitadas: Silvio Mazzuca, Ormar Milaqni, Simoneti, Luis Arruda Paes.<br><br>As famílias ricas promoviam bailes com luxo e circunstancia para o “debut” de suas filhas. Participei do baile de debutante da Verinha Fontoura, filha do Olavo Fontoura, que em sua casa no Jardim Europa recebeu a fina flor da juventude paulistana, elegantemente trajada a rigor. Festa que mesmo com a segurança proporcionada pela Policia da Aeronáutica, acabou em pancadaria, promovida pela terrível gang do Bahiano. Outra festa monumental foi oferecida pela família Alcântara Machado e terminou em verdadeira guerra campal entre a turma do Bahiano e seus inimigos.<br><br>Nos salões de baile os frequentadores iam dançar, namorar e tomar uma “cervejota”. Os mais tradicionais foram: Piratininga, que resiste ate hoje, o Garitão, O Som de Cristal o Paulistano da Cloria e muitos outros.<br><br>Para concluir lembro os extintos “Taxi-Dancings”. Nos grandes salões as mesas formavam um quadrilátero delimitando a pista de dança. Ao redor destam cadeiras para as dançarinas. Ao entrar os homens recebiam cartões. Ao tirar uma dana o fiscal de pista controlava o tempo dançado e picotava o cartão. A dança era paga no caixa ao liquidar a conta do consumido, em geral cerveja e algum tira gosto.<br><br>As bailarinas eram moças do comercio, funcionarias publicas manicures cabelereiras, havia pouca prostituição. Os grandes Taxis foram o Avenida e o Maravilhoso, ambos na Avenida Ipiranga. Ao sair o pessoal ia tomar uma sopa no Spadoni ou comer um sanduiche no Bar do Jeca.<br><br>Os anos de chumbo da ditatura transcorreram em paralelo aos anos dourados de uma juventude que assumia sua brasilidade cheia de alegria e esperança. E apesar do pano de fundo cinzento divertia-se para valer.<br><br><br>E-mail: mailto:[email protected]