A primeira história que escrevi aqui no SPMC foi uma travessura minha e dos meus irmãos sobre um bode que pastava do campo da Portuguesinha da Mooca: O bode do Pirim (que na verdade, depois de lembrado pelo seu sobrinho, era Pierim). Hoje faço o mesmo: conto outra.
Depois dessa época, quando tinha seis anos, por volta de 1957, mudamos para a Rua dos Trilhos, esquina com a Rua Roberto Lessa, conhecida no pedaço como a Rua "3" e lá morei até 1973, ano que o meu pai faleceu.
Lá tive amigos de infância que lembro bem: O Maurinho filho da Dona Emy e do seu Raul, o Ari, o Toninho e a sua irmã a Marisa, a Iderly, o Beijo, o Carlos que era filho de uma senhora que era enfermeira; a Sueli que tinha os pais feirantes, a Lucia Geremias e o seu irmão, o Waldir filho de um pugilista de mesmo nome e que morava na ultima casa da Rua 3, esquina com a Avenida Cassandoca, sem asfalto e que na época era dividida por um valo, um riacho-esgoto.
Mas a amizade mesmo ficou forte com o Maurinho quando começamos a andar de carrinhos de rolimã logo que a Rua Três foi asfaltada. Seu pai, seu Raul, era um mecânico de mão cheia e tinha uma oficina completa no fundo de casa com torno, furadeira, organizadíssima e muitas ferramentas cuidadosamente fixadas num painel. Ele era bravo com o meu amigo Mauro, mas era legal comigo. Ele fazia os carrinhos do Mauro com o capricho de um profissional como era. Os meus eu mesmo fazia… E daquele jeito, melhor dizendo de qualquer jeito. Lembro que na Avenida Cassandoca tinha um ferro velho onde uma tarde esperamos fechar para pular o muro e pegar rolimãs maiores que ficavam espalhadas pelo chão. Mas, o bonitão aqui que sempre ia à frente, ao passar a perna direita por cima muro sentiu algo cutucar a perna, pela parte interna da coxa, perto do joelho.
Como todo ferro velho da época, comprava restos de estamparia de chapas de metal e uma dessas, com uma ponta finíssima estava ali esperando a minha perna para atravessá-la e perfurar até uns 5 cm. Do jeito que a minha perna foi, voltou.
– "Mauro, eu acho que a rolimã não está mais lá. Vamos embora", e tampando com as mãos o sangue que já começava a escorrer pela perna. Resultou uma bela surra da minha mãe, sem falar da injeção contra tétano que tive que tomar.
Mas certa vez ,quando a moda era andar de pernas de pau, fomos (o Mauro e eu) andar com elas lá na Avenida Cassandoca, mostrando quem era o mais hábil com elas. As do Mauro eram perfeitas muito bem acabadas e estáveis que seu pai havia feito. As minhas foram feitas a partir de uma escada de beliche que lá em casa não usávamos mais. Separei-a ao meio e preguei dois tocos de madeira em cada parte, a uns 45 cm do chão e pronto. Estava feita mais uma das minhas artes.
Até aí tudo bem desde que não pintasse em mim aquela mania de aventura que sempre me "perseguiu”:
– "Vou descer esse barranco e vou pular sobre o valo… querem ver?"
E lá fui descendo o barranco parecido com uma girafa recém nascida… E na hora que eu fui preparar o bote para pular o valo… Claro, errei… Cai dentro do valo e afundei com água até o peito.
Acho que não preciso dizer muita coisa. Saí de lá me agarrando em terra, touceira de capim, pedaço de entulho, qualquer coisa até sair e com as minhas pernas de pau. Cabisbaixo, subi o barranco de volta molhado pelo pior tipo de água que podia existir, debaixo de gargalhada dos meus amigos.
Ao chegar em cima na avenida, subi nas minhas pernas de pau e voltei pra casa. Outra surra. Porque será que a gente quando moleque, quando fazia algo errado, voltava logo pra casa? Parece-me hoje que isso era masoquismo. Não tinha como mentir.
Além da surra ganhei um banho com creolina pra desinfetar… “aff”! Fiquei um bom tempo proibido de andar de pernas de pau e de carrinho de rolimã. Óbvio.
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