A moça de Perus

O Romualdo estava feliz. Olhou para o espelho da parede do quarto, endireitou o corpo, estufou o peito e fincou o boné na cabeça. Havia nele um olhar de satisfação estampado no rosto. Estava deveras encantado com aquela moça que conhecera a algum tempo, num supermercado da Lapa. A tarde foi até a pensão do Quebradinho, lá para os lados do mercadão Municipal da Cantareira, onde morava. <br><br>Tomou banho, se arrumou todo, pôs a melhor calça jeans que tinha, vestiu uma camisa branca de linho, engraxou os sapatos, jogou um pouco de água de cheiro no pescoço e nas axilas, pegou os óculos na mesinha de cabeceira, colocou o relógio de pulso que acabara de comprar no camelódromo da Rua 25 de Março, deu duas voltas na chave do quarto da pensão e saiu para a rua. <br><br>Na subida da Avenida Senador Queirós acendeu um quebra peito, uma cigarrilha Fulgor. Soltou várias baforadas, em forma de semicírculo, empesteou mais ainda o ar já irrespirável da cidade com aquela fumaceira desagradável, virou na primeira esquina a direita, entrou na Rua Florêncio de Abreu, e sumiu em direção da Estação da Luz.<br><br>Antes, porém, no meio do caminho, tinha passado em uma casa lotérica, fez uma “fezinha” em um jogo de quinze números da Lotofácil. Se o resultado daquele jogo fosse favorável, ganharia um bom dinheiro e conseqüentemente, pediria a moça em casamento. Foi direto para a bilheteria da Estação da Luz. Comprou o bilhete para o trem subúrbio. Esta noite, ele estava mais radiante do que nunca. Finalmente iria ao primeiro encontro com aquela moça que conhecera a algum tempo naquele super mercado da Lapa. <br><br>Parou em uma floricultura, escolheu meia dúzia de rosas vermelhas, mandou o homem fazer um arranjo floral e levou consigo. Afinal das contas as rosas eram para a eleita do seu coração, a moça do bairro de Perus. Estava ali parado, no meio fio da plataforma da estação da Luz, esperando impacientemente pela chegada do trem. O comboio do subúrbio estava atrasado. Consultou de novo o relógio de pulso. Sete horas da noite. Tinha marcado com ela às sete e meia, numa rua paralela da estação de Perus.<br><br>Lembrava vagamente quando ali estivera, pela última vez, da parte norte da estação, onde havia a Estrada de Ferro que ligaria Perus até Bom Jesus de Pirapora. Mas isso, tinha sido, há muitos anos atrás. O Romualdo já não se lembrava mais nada por lá.<br>Agora, era a primeira vez que se aventurava pela região. Será que chegaria a tempo, naquele seu primeiro encontro? Estava impaciente, porque o trem estava demorando de mais. Não vinha. Para disfarçar a ansiedade, comprou na banca de jornais da estação da Luz uma revista. Fingia que lia alguma coisa, porém, não lia nada. Seu subconsciente estava todo voltado para aquele encontro. Com certeza chegaria atrasado. Estava decidido, tinha tudo planejado, iria fazer uma veemente declaração de amor para a moça de Perus.<br><br>Aquela ideia corria solta na sua imaginação dando asas ao fértil lirismo da poesia que ele lera durante a semana num almanaque de farmácia que tinha ganhado de um companheiro da pensão. Finalmente o maldito trem acabara de chegar. Estava atrasadíssimo.<br><br>Olhou mais uma vez para o relógio de pulso: era inexorável – sete e vinte e cinco, anunciavam os ponteiros. Marcara com a moça às sete e meia da noite, e lá estava ele ainda, na plataforma da estação da Luz. Finalmente, embarcou no terceiro vagão da composição. No trem avistou umas tetéias, moças novas, dando a maior bola, sempre olhando e sorrindo para ele. O Romualdo não estava interessado em nenhuma delas. Soltou uma blasfêmia. A sua Elizabeth, efetivamente, não tinha celular. Pensou rapidamente na Jussara, uma amiga dela. Porém, não tinha muita certeza se a moça morava perto da Elizabeth. Iria mandar uma mensagem de texto no celular da Jussara para que ela pudesse avisar a Elizabeth que ele, o Romualdo, já estava a caminho.<br><br>Refletiu melhor, achou por bem que aquilo seria uma idiotice, uma inutilidade, um transtorno, e acabou desistindo da idéia. O trem subúrbio parou na primeira estação<br>da Barra Funda. Logo em seguida, Água Branca. Depois, Lapa. O trem demorou-se um pouco mais na estação da Lapa. O Romualdo estava aflito. Já eram oito e vinte e ele ainda estava na Lapa. Contou as estações restantes. Faltava ainda três, Pirituba, Jaraguá, e finalmente Perus. Quando chegou, já era um quarto para as nove da noite. Efetivamente, ele não mais conhecia o lugar. Sabia apenas, que ela morava na margem oeste da Via Anhanguera. Era ele um estranho ali. <br><br>Parou numa esquina, entrou num boteco onde alguns rapazes jogavam sinuca e perguntou para o homem do balcão, onde ficava aquela rua. O homem olhou o papel escrito, balançou a cabeça num gesto negativo e disse-lhe não conhecer o lugar. O Romualdo ficou confuso. Afinal, estava ele ali parado, feito um cretino, sem lenço e sem documento; além do mais, estava com aquele arranjo floral nas mãos sentindo-se cada vez mais, um perfeito idiota. Finalmente, depois de perambular por muito tempo por várias ruas, perguntando ali, e acolá, por fim, chegou ao lugar combinado. Olhou para os dois lados da rua e não viu ninguém. Consultou novamente o relógio. Agora faltava um quarto para as dez da noite. Com certeza aquela hora da noite, a Elizabeth já<br>estaria se preparando para dormir. Pensou em ir embora. Mas esperou mais meia hora. Nada. <br><br>O jeito agora era reiniciar a volta para a estação do trem, antes que perdesse o último subúrbio para a estação da Luz. Estava frustrado. Aquele maldito trem que se atrasara demais, a falta de sorte, o bairro desconhecido, tinham sido os fatores que somados, haviam contribuído para que ele perdesse o contato com a moça. Mas uma duvida ainda preocupava o espírito do Romualdo. Teria perdido para sempre a sua Elizabeth? Achou que sim. Não sabia onde ela morava, não havia nenhuma referência, não tinha telefone celular, e além do mais, para azar seu, ela tinha pedido demissão do super mercado. E agora? Nada mais lhe restava fazer. <br><br>Romualdo olhou para o arranjo floral e quase chorou de raiva. Estava ridículo com aquelas flores nas mãos. Ficou vermelho de vergonha. Não encontrando nada a sua frente que pudesse descarregar a sua indignação, chutou com fúria para longe o arranjo floral, soltou vários impropérios contra o mundo, voltou para a estação do trem.<br><br>Tinha acabado de perder a querida namorada, a linda moça de Perus.<br><br><br>E-mail: [email protected]<br>